«Convidar a falar uma mulher não é feminismo eclesiástico», porque, no fim de contas, todo o feminismo se torna «um machismo com saias». E não se trata de dar «mais funções», mas de integrar a figura feminina como imagem real da Igreja.
Foi com esta intervenção não programada que o papa comentou na sexta-feira a primeira intervenção de uma mulher na cimeira sobre os abusos sexuais, que decorre no Vaticano.
No seu discurso, Linda Ghisoni, sub-secretária da secção para os fiéis leigos do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, denunciou: «Não é raro deparar-me com intolerância na Igreja por causa da atenção que se dedica à questão dos abusos sexuais sobre os menores».
Para ilustrar esta posição, deu o exemplo de um padre, que «há alguns dias» expressou o seu enfado: «Ainda? Continua a falar-se de abusos! É exagerada a atenção que a Igreja reserva a este tema».
E não é só o clero a manifestar desconforto: «Uma senhora praticante disse-me, candidamente: “É melhor não falar destas questões, porque de outra maneira vai crescer a desconfiança para com a Igreja. Falar disso ofusca todo o bem que se faz nas paróquias”».
Ghisoni, ao contrário, defende que «tomar consciência do fenómeno e prestar contas da própria responsabilidade não é uma fixação, não é uma ação inquisitória para satisfazer meras exigências sociais», mas «uma exigência que brota da própria natureza da Igreja».
Entre as suas propostas inclui-se a proposta de revisão da «normativa sobre o segredo pontifício», de maneira a evitar «a ideia de que seja utilizado para esconder problemas».
«Ao escutar a dra. Ghisoni, senti que a Igreja a falar de si própria. Quero dizer, todos nós falámos sobre a Igreja. Em todas as intervenções. Mas desta vez era a própria Igreja que falava», observou o papa Francisco.
Não é apenas uma questão de estilo, é «o génio feminino que se reflete na Igreja que é mulher». E acrescentou: escutar uma mulher que reflete «sobre as feridas da Igreja é convidar a Igreja a falar sobre ela própria, sobre as feridas que tem».
Sem a mulher, fala-se «do povo de Deus como organização, talvez sindical, mas não como família dada à luz pela mãe Igreja». Para Francisco, «a lógica do pensamento» de Linda Ghisoni é «a de uma mãe, é o mistério feminino da Igreja, que é esposa e mãe».
«Não se trata de dar mais funções à mulher na Igreja – sim, isso é bom, mas assim não se resolve o problema; trata-se de integrar a mulher como figura da Igreja no nosso pensamento (…) e [pensar] a Igreja com as categorias de uma mulher», frisou Francisco.