“Dois dias, uma noite” é a história do dramático fim de semana vivido por Sandra, operária e mãe de família, que, sob a ameaça de despedimento, se vê obrigada a bater à porta dos colegas para os convencer a renunciar a um bónus financeiro, salvando assim o seu emprego.
«É uma situação que ocorre aqui, na Europa, na anónima periferia belga que poderia ser os Estados Unidos, a América Latina, a China», sublinham os realizadores, os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, já vencedores da Palma de Ouro em Cannes com “Rosetta” e “L’enfant”.
«É a narração da guerra entre pobres de hoje, num mercado de trabalho selvagem. Mas não é um documentário. Sandra não é uma militante política. É feliz por estar com os filhos e com o marido, organiza as férias, vive. Quando descobre que está à beira do despedimento vai-se abaixo, sente-se perdida. O filme conta como, aos poucos, consegue vencer o medo e encontrar a coragem para lutar. É o elogio da fraqueza na qual cada um de nós se pode reencontrar».
É como se os protestos de milhões de pessoas que tivessem descido agora à praça, o grito dos trabalhadores e das trabalhadoras do lado de fora das cancelas das empresas em crise tivesse encontrado finalmente tradução em imagens, na dignidade da narrativa, na força explosiva das emoções.
O cinema dos irmãos Dardenne é seco, elegante, sem ornamentos. Diálogos e música são reduzidos ao mínimo. Não fazem ficção, contam pedaços de vida verdadeira. A câmara encosta-se à nuca, ao coração dos personagens e precipita o espetador num vórtice de emoções que nasce, sempre, de narrativas mínimas.
O filme é um milagre de profundidade e ternura. Nunca ninguém narrou de maneira tão íntima o drama da perda do trabalho e da dignidade. A protagonista, Marion Cotillard, sem vestígios de maquilhagem, deixa os elegantes vestidos de estrela do Óscar, que ganhou ao interpretar Edith Piaf em “La vie en rose”; a sua expressão, ora doce ora perdida no vazio do desespero, dá à personagem o estigma da verdade.
«Se o percurso de Sandra é mais otimista do que alguma realidade é porque nós pensamos que o cinema deve mostrar como as coisas poderiam ser diferentes e possíveis», explicam os irmãos Dardenne. «Mas não se espere o clássico final feliz à Hollywood. O filme diz que a luta solitária não dá saídas. Para poder olhar uns para os outros, estar juntos, é preciso tornar a fazer germinar a solidariedade. É esta a provocação.»
Escassas décimas do PIN que sobem e descem enquanto a economia estagna. A taxa de desemprego. Leis, números, siglas que se amontoam nos jornais, na televisão, na cabeça das pessoas quase como se fossem um novo e epidémico jogo de vídeo. É difícil, atrás destas cifras, perceber os contornos de uma realidade dramática. É por isso que “Dois dias, uma noite” não só é um filme magnífico: é uma obra moral.
«Acreditamos que as pessoas estão dispostas a mudar de trabalho, tendo todavia a garantia de poder continuar a trabalhar. A grande mentira que nos contam é que os códigos do trabalho devem ser mudados para ajudar os jovens. No entanto a motivação está ligada ao lucro. Também nós, pequenos burgueses e trabalhadores, temos também a nossa culpa: estamos fascinados pela lógica do dinheiro. Os valores do individualismo levaram a melhor sobre os da solidariedade e partilha. E os mais fracos arriscam-se, assim, a permanecer esmagados.»
Parece-nos ouvir a voz do papa Francisco. Contudo, não há aqui instrumentalização. É apenas o eco da verdade que ressoa.
Maurizio Turrioni