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Direitos humanos

Direitos humanos

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Esqueçamos brevemente a relação entre a humanidade e Deus como é posta em termos cristãos. Por uma vez, assumamos laicamente a questão da humanidade, na sua dignidade ontológica própria, sem remissão para entidades metafísicas não-humanas.

Que encontramos?

Seres físicos e biológicos, em sua base natural, sobre a qual e em conformidade puramente imanente com a qual existem finitamente dimensões genericamente culturais, como a ética, a política, a jurídica, a social, mesmo a psicológica. O ser humano é, assim, nada mais do que uma entidade material, biologicamente organizada em forma antientrópica, efémera, que apresenta, no mesmo enquadramento formal, atividade cultural. Mais nada. Poder-se-á dizer que é matéria que pensa e que sabe que pensa. Efemeramente.

Esta matéria que pensa, fá-lo de forma original, pois é capaz de se pensar como suficientemente diferenciada materialmente ao ponto de se conceber como sujeito e objeto de direitos. Ora, por que razão pensa esta matéria que é digna de tal especial consideração? Por que razão tem a humanidade direitos?

Repare-se que não se pode fazer, neste âmbito, qualquer alusão a qualquer dom, seja ele transcendente – não há, aqui, transcendência alguma – ou imanente – a imanência confunde-se com a própria humanidade –, tendo o cuidado de não cair no círculo lógico vicioso de se considerar a mesma humanidade doadora de algo a si própria, o que implicaria, por exemplo, ter dado a si própria o que seria o dom dos dons, a existência primeira.



O sentido da dignidade humana que perpassa toda a Declaração funda-se nesta intuição humana do absoluto da sua presença em ato relativamente ao absoluto da sua não-presença em ato



Então, onde vai a tal humanidade buscar a noção de que «tem direitos»? Não pode não ser senão ao ato que a constitui como experiência própria. É nisso que a ergue como experiência própria que a humanidade, isto é, cada ser humano concreto, vai buscar a noção do que é como algo digno de «direitos».

Mas, porquê?

Por que razão há de o ser humano presumir que tem «direitos»?

Nem sequer entramos na consideração do que é isso de «direitos», em tal contexto, questão que, precisamente em tal contexto, não tem resolução. Experimente-se.

Provavelmente, estamos a tocar o limite do que é a humanidade como intuição ontológica própria: que é isso que produz o saber-se cada ser humano como exatamente ser humano?

De notar que esta mesma é a questão acerca do que foi o primeiro ato de autossaber do ser que, tendo este ato, em ato – isto é, com ele coincidindo pela primeira vez –, coincide com o primeiro ser humano, que, assim, não é coisa biológica, apenas e fundamentalmente, mas coisa de pensamento: ser-se um ser humano é saber-se como tal.

Que intuição é esta?

É a intuição que cada um de nós tem do absoluto da nossa presença como ser, como ser em ato, como ato de ser que «está» “na vez” de um «nada de si».



É sobre este absoluto desta presença, próprio e inalienável a e em cada pessoa, que se baseia tudo o que diz respeito aos direitos humanos. Estes não são uma realidade cultural, mas uma realidade ontológica transcendental à humanidade como tal.



E é esta intuição que põe cada um de nós como ser humano, como pessoa, sempre presente no detalhe de cada ato; ato que não é «nosso», como habitualmente pensamos, antepondo uma realidade ontológica que nunca existe antes de, então, sim, sermos esse ato.

O ato que sou.

O ato que sou na relação com a possibilidade da sua anulação.

Eis o que fundamenta todo o sentido dos «direitos humanos», que se baseiam e consubstanciam paradigmaticamente no «direito a ser», no direito a viver, como comummente dito.

É nesta intuição que o Artigo nº. 3 da «Declaração universal dos direitos humanos» bebe laicamente a sua inspiração. E, dela, bebe toda a Declaração.

O sentido da dignidade humana que perpassa toda a Declaração funda-se nesta intuição humana do absoluto da sua presença em ato relativamente ao absoluto da sua não-presença em ato. É sobre este absoluto desta presença, próprio e inalienável a e em cada pessoa, que se baseia tudo o que diz respeito aos direitos humanos. Estes não são uma realidade cultural, mas uma realidade ontológica transcendental à humanidade como tal.

Ora, se relermos quer o início do Génesis, quer, por exemplo, todos os Evangelhos, é esta mesma noção transcendental de humanidade que encontramos. A diferença consiste em que esta transcendentalidade da Escrituras se fundamenta não numa pura imanência, mas numa transcendência, que cria a imanência.

Mas esta última relação diz respeito a uma outra forma de experiência, que é, também ela, um direito humano: «Declaração», Artigo n. 18.



 

Américo Pereira
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas
Publicado em 03.07.2017 | Atualizado em 25.04.2023

 

 
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