«Neste século XXI, que registou avanços consideráveis nos campos da tecnologia, da ciência, das comunicações e das infraestruturas, deveríamos corar de vergonha por não ter obtido idênticos avanços em humanidade e solidariedade que nos levem a satisfazer as necessidades primárias dos mais desfavorecidos», considera o papa.
No Dia Mundial da Alimentação, que se assinala a 16 de outubro, Francisco constata que «não cessa de aumentar o número imenso de seres humanos que não têm nada, ou quase nada, para levar à boca» e lamenta que as estatísticas recentes mostrem, «com evidência desconcertante, como parece arrefecer a solidariedade internacional».
Em mensagem dirigida ao diretor geral da FAO, agência das Nações Unidas para a alimentação e agricultura, o papa frisa que «os pobres esperam uma ajuda eficaz que os tire da sua prostração, e não meros propósitos ou convénios que, depois de estudar detalhadamente as causas da sua miséria, tenham como único resultado a celebração de eventos solenes, compromissos que nunca se concretizam ou vistosas publicações destinadas a engrossar os catálogos das bibliotecas».
«Podemos sonhar um futuro sem fome, mas isso só é legítimo se nos envolvermos em processos tangíveis, relações vitais, planos operativos e compromissos reais», acentua a missiva endereçada ao brasileiro José Graziano da Silva, que aponta pistas: «um financiamento generoso, a abolição das barreiras comerciais e sobretudo o aumento da resiliência face às alterações climáticas, às crises económicas e aos conflitos armados».
No ano que a FAO dedica o Dia Mundial da Alimentação ao tema “Um Mundo Fome Zero para 2030 é possível”, Francisco sublinha que «falta realmente vontade política», facto que as «reações pontuais» não conseguem desmentir, porque esquecem «a dimensão estrutural que o drama da fome esconde».
«Precisamos de desenvolver uma abordagem mais proativa e mais constante no tempo, precisamos de aumentar os fundos destinados à promoção da paz e do desenvolvimento dos povos. Precisamos de silenciar as armas e o seu pernicioso comércio, para escutar a voz daqueles que choram desesperados por se sentir abandonados à margem da vida e do progresso», aponta.
Não é possível «acabar com a fome» se «não houver a convicção ética, comum a todos os povos e às diferentes visões religiosas, que coloca no centro de qualquer iniciativa o bem integral da pessoa e que consiste em fazer ao outro aquilo que gostaríamos que nos fosse feito a nós».
«A Igreja católica, no exercício da missão que lhe confiou o seu Fundador Divino, combate diariamente no mundo inteiro contra a fome e a malnutrição, de múltiplas formas e através das suas variadas estruturas e associações, lembrando que aqueles que sofrem a miséria não são diferentes de nós. Têm a mesma carne e sangue que nós», realça o papa.
Por isso, conclui Francisco, essas pessoas «merecem que uma mão amiga os socorra e ajude, de modo que ninguém seja deixado para trás», e assim «a fraternidade tenha direito de cidadania e seja algo mais que um slogan sugestivo, sem consistência real».