Os migrantes e a sua integração, a objeção de consciência dos católicos perante leis como a da eutanásia, as vocações ao sacerdócio e à vida religiosa, o diálogo com os lefebvrianos e os sínodos sobre a família são alguns dos assuntos abordados na entrevista do papa ao diário francês La Croix, hoje publicada.
Para Francisco, a França é, «em certo sentido, uma periferia a evangelizar. Mas é preciso ser justo com a França, onde a Igreja possui uma capacidade criadora. A França é também uma terra de grandes santos e grandes pensadores: Jean Guitton, Maurice Blondel, Emmanuel Levinas – que não era católico -, Jacques Maritain».
«O que me fascina da França é, de um lado, a laicidade exagerada, a herança da revolução francês, e do outro todos estes grandes santos.» Dois são os teólogos jesuítas a que o papa faz referência, Henri de Lubac e Michel de Certeau, a par de uma santa, Teresa de Lisieux.
Interrogado sobre como enfrentar denominada “crise das vocações”, o papa recorda o exemplo da Coreia, «que foi evangelizada pelos leigos durante dois séculos», pelo que para anunciar o Evangelho «não há necessariamente necessidade de padres».
Referindo-se ao diálogo com os lefebvrianos, Francisco lembra as boas relações que com eles manteve na Argentina e não exclui a solução de uma prelatura pessoal, «mas primeiro é preciso estabelecer um acordo fundamental: o Concílio Vaticano II tem o seu valor. Avança-se lentamente, com paciência».
Acerca dos dois mais recentes sínodos dos bispos, sobre a família, o papa declara: «Saímos todos diferentes deste processo». «Na exortação pós-sinodal [“A alegria do amor”] procurei respeitar ao máximo o Sínodo: não encontrareis precisões canónicas sobre o que se pode e o que não se pode fazer. É uma reflexão serena, pacífica, sobra a beleza do amor».
No que respeita aos migrantes e à laicidade, o papa defende que «cada um deve ter a liberdade de exprimir a própria fé. Se uma mulher muçulmana quer andar com o véu, deve poder fazê-lo. Do mesmo modo, se um católico quer andar com uma cruz».
«Um Estado deve ser laico. Os Estados confessionais acabam mal», mas a França tende a «exagerar a laicidade» por culpa de «um modo de considerar as religiões como uma subcultura, não uma cultura verdadeira e própria», sublinha.
Para Francisco, «o pior acolhimento é colocar em guetos, em vez de integrar» os imigrantes. «Em Bruxelas, por exemplo, os terroristas eram belgas, filhos de imigrantes, mas vinham de um gueto. Em Londres, o novo presidente da Câmara [muçulmano] jurou numa catedral e será recebido pela rainha. Isto mostra para a Europa a importância de reencontrar a sua capacidade de integrar».
«Esta integração é tanto mais necessária hoje dado que a Europa conhece um grave problema de natalidade», sustenta, acrescentando que «a coexistência entre cristãos e muçulmanos é possível», como acontece no país de origem do papa, em que «coabitam em boa familiaridade».
Sobre o Velho Continente, diz que quando ouve falar «das raízes cristãs da Europa», tem «algumas dúvidas sobre o tom, que pode ser triunfalista ou vindicativo. É então que isso se torna colonialismo».
«A Europa, sim, tem raízes cristãs. O cristianismo tem o dever de a banhar, mas num espírito de serviço, como para o lava-pés. O dever do cristianismo para a Europa é o serviço», acentua.
Quanto à atitude dos católicos perante legislação como a da eutanásia e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, Francisco frisa que «uma vez aprovada a lei, o Estado deve respeitar as consciências. Em toda a estrutura jurídica, a objeção de consciência deve estar presente porque é um direito humano. Incluindo para um funcionário do Governo, que é uma pessoa humana. O Estado deve também respeitar as críticas».
Sobre o processo judicial que envolve o arcebispo de Lyon e primaz das Gálias, o cardeal Philippe Barbarin, acusado de não ter agido adequadamente após a denúncia de abusos sobre menores apresentada por padres da arquidiocese, Francisco responde: «Dos elementos de que disponho, creio que tomou as medidas necessárias, que segurou bem as coisas. É um corajoso, um criativo, um missionário. Agora devemos esperar que a justiça civil faça o seu caminho». Demitir-se «seria um contrassenso, uma imprudência» e «significaria admitir a culpabilidade».
Andrea Galli