«Se não me atrevo a dizer, com Paulo de Tarso, que combati o bom combate e percorri o caminho, consola-me o ter-me esforçado por servir a fé», declarou hoje Walter Osswald ao receber, em Fátima, o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, atribuído pela Igreja católica.
«Bastaria o facto de se tratar de um Prémio instituído pelos Bispos de Portugal, sintetizando e dando pública forma à sua indissolúvel ligação à realidade da cultura, como verdadeira força viva da comunidade, para justificar que sinta como enorme honra esta atribuição», afirmou o professor jubilado de Medicina.
Na intervenção que concluiu a cerimónia de entrega do prémio, e também a 12.ª Jornada Nacional da Pastoral da Cultura, o especialista em Bioética recuou até à infância para evocar dois livros queridos dos pais que o influenciaram nos primeiros passos no cristianismo.
«Minha Mãe tinha sobre a sua mesa a "Imitação de Cristo", numa bela edição de Henri Babou, e abria-a frequentemente, nela deixando sublinhados e datas de consulta; já meu Pai lia a sua Bíblia, severamente encadernada de negro: era a tradução de Martinho Lutero. Foi neste ambiente ecuménico que tive a graça de crescer e aprender, de viver e de servir», recordou.
Para o leigo que vive na diocese do Porto, Deus «passa tantas vezes despercebido a quem na dobadoura da vida, no torvelinho das paixões, na narcose do prazer, na indiferença estéril só se escuta a si mesmo e não tem ouvidos para ouvir».
Walter Osswald lembrou que sua vida familiar e social teve «horas boas, de escuta do sopro espiritual e, sobretudo, de anúncio e de convite a que outros o ouçam e acolham, para gozo e felicidade do inenarrável».
O Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, atribuído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura a personalidades ou obras que refletem o humanismo e a experiência cristã, é composto pela escultura "Árvore da Vida", criada por Alberto Carneiro, e pelo valor de 2 500 euros, patrocinado pelo grupo Renascença Comunicação Multimédia.
Entrega do Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes a Walter Osswald: texto integral do premiado
12.ª Jornada Nacional da Pastoral da Cultura
Fátima, 4.6.2016
Um dos ensinamentos que de meus Pais recebi, foi o do importante dever de manifestar gratidão aos nossos benfeitores. No cumprimento deste dever, exprimo o meu sincero e fundo agradecimento à Pastoral da Cultura, nas pessoas do Senhor Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, D. Pio Alves de Sousa e do Senhor Prof. Doutor José Carlos Seabra Pereira, Director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. Agradecimentos não menos vivos aos membros do Júri que tomou a resolução de me distinguir com este tão prestigioso Prémio Árvore da Vida, cheio de significado e de simbolismo, enobrecido ainda com o insigne nome do Padre Manuel Antunes, visionário profeta do Portugal contemporâneo. Como é curial, aceito a decisão do Júri, embora respeitosamente me permita dela discordar, por esta distinção manifestando todavia (e paradoxalmente) contentamento. Bastaria o facto de se tratar de um Prémio instituído pelos Bispos de Portugal, sintetizando e dando pública forma à sua indissolúvel ligação à realidade da cultura, como verdadeira força viva da comunidade, para justificar que sinta como enorme honra esta atribuição. Leigo que sou, e diocesano do Porto, servidor de valores que são essenciais e nortearam a minha longa vida, a presença de um Pastor da igreja portucalense nesta ocasião é motivo de especial júbilo.
Permiti-me, há pouco, discordar da decisão do Júri: feia coisa, que ameaça roçar pela ingratidão. Mas o que eu queria dizer era o que Agostinho da Silva tão superiormente exprimiu, ao agradecer, em verso, a homenagem que lhe prestaram, na Universidade de Tulane:
«Acho graça às homenagens
que me prestam
excelente sinal de ilusões
que a eles restam…
E depois
sinto que os êxitos são o que tinha
de acontecer,
comigo ou outro tudo seria
igual vencer
Para terminar
de nós nada mais deixamos
que vãs memórias,
só Deus é grande, só Deus é santo,
o demais, histórias.»
Assim Agostinho, pedagogo místico e inveterado utopista. Como ele tantas vezes, recuo agora até à minha infância, para rever os dois livros que serviam de arrimo a meus Pais. Minha Mãe tinha sobre a sua mesa a Imitação de Cristo, numa bela edição de Henri Babou, e abria-a frequentemente, nela deixando sublinhados e datas de consulta; já meu Pai lia a sua Bíblia, severamente encadernada de negro: era a tradução de Martinho Lutero. Foi neste ambiente ecuménico que tive a graça de crescer e aprender, de viver e de servir. Bem sei que o Espírito sopra onde quer, mas sei também que o Senhor não vem no vendaval, no terramoto ou na trovoada, antes na brisa que refresca e anima – e por isso passa tantas vezes despercebido a quem na dobadoura da vida, no torvelinho das paixões, na narcose do prazer, na indiferença estéril só se escuta a si mesmo e não tem ouvidos para ouvir. Em boa verdade julgo que terei, na minha vida familiar e social, tido horas boas, de escuta do sopro espiritual e, sobretudo, de anúncio e de convite a que outros o ouçam e acolham, para gozo e felicidade do inenarrável.
Por isso, se não me atrevo a dizer, com Paulo de Tarso, que combati o bom combate e percorri o caminho, consola-me o ter-me esforçado por servir a fé.
Termino, como o fiz quando me despedi da Faculdade de Medicina do Porto, lembrando uma conversa havida entre Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, segundo conta Fernando Pessoa. E é assim, relata Álvaro de Campos: (passo a citar)
«Falava-se de não sei quê, que tinha que ver com as relações de cada qual consigo mesmo. E eu perguntei de repente ao meu mestre Caeiro: “Está contente consigo?”
E ele respondeu: “Não: estou contente”».
Senhor Bispo, Senhores Membros do Júri, Amigos de perto e de longe, Domingas, Filhos e Filhas, posso afirmar:
Estou contente.
Redação: Rui Jorge Martins