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Itália

Carlo Maria Martini: Milão e Bento XVI despediram-se do cardeal do diálogo

Seis mil pessoas dentro da catedral e 15 mil do lado de fora seguindo a celebração através de dois ecrãs gigantes: foi desta forma que Milão se despediu do arcebispo que dirigiu a arquidiocese durante mais de 20 anos, entre 1980 a 2002.

O funeral do cardeal Carlo Maria Martini, que morreu na sexta-feira aos 85 anos, foi presidido pelo arcebispo de Milão, Angelo Scola, a quem se associaram delegações de diversos credos: budistas e muçulmanos, além de cristãos ortodoxos, coptas, protestantes e valdenses.

De acordo com a arquidiocese italiana participaram 39 bispos e 1200 padres católicos.

Entre os políticos encontravam.se o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, o antigo chefe de Governo Romano Prodi, 30 deputados, líderes partidários, o presidente da Câmara Municipal e autoridades regionais, bem como empresários e o presidente do clube de futebol Inter de Milão.

Nos dias da câmara ardente, que congregaram mais de cem mil pessoas, e durante o funeral foi colocado sobre a urna um exemplar do Evangelho do Rito Ambrosiano, originário de Milão, aberto na página da ressurreição de Cristo.

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Uma escolha propositada, como sublinhou, emocionado, o cardeal Scola na homilia: «A longa vida do cardeal Martini é o espelho transparente desta esperança, mesmo na provação da doença e da morte».

O facto de o reino de Deus «não ser um lugar físico, à nossa medida, não nos autoriza a reduzi-lo a uma história. O cardeal Martini, que anunciou e estudou a ressurreição, sublinhou-o várias vezes com palavras tão simples quanto poderosas».

A abrir a celebração foi lida uma mensagem enviada pelo papa Bento XVI. O apelo lançado no início da liturgia para evitar palmas e outros comportamentos menos respeitosos foi em vão: terminada a celebração ouviu-se um longo e comovido aplauso por parte das pessoas reunidas dentro e fora da catedral.

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«O sofrimento pela partida desta grande personalidade não nos tira a certeza que ele vive e que continuará a acompanhar cada um de nós nas suas necessidades, nos seus pedidos e nas suas urgências», disse o cardeal Scola no fim da celebração ao abençoar as personalidades que estavam no exterior da sé.

 

Mensagem de Bento XVI

Caros irmãos e irmãs,

Neste momento desejo exprimir a minha proximidade, com a oração e afeto, a toda a Arquidiocese de Milão, à Companhia de Jesus, aos familiares e a todos os que estimaram e amaram o cardeal Carlo Maria Martini e quiseram acompanhá-lo para esta última viagem.

«A tua palavra é farol para os meus passos e luz para os meus caminhos» (Salmo 119 (118), 105): as palavras dos salmista podem resumir toda a existência deste pastor generoso e fiel da Igreja. Foi um homem de Deus, que não só estudou a Sagrada Escritura como a amou intensamente, fazendo dela a luz da sua vida, para que tudo fosse «ad maiorem Dei gloriam», para a maior glória de Deus.

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E por isso foi capaz de ensinar aos crentes e àqueles que andam à procura da verdade que a única Palavra digna de ser escutada, acolhida e seguida é a de Deus, porque indica a todos o caminho da verdade e do amor.

Fê-lo com uma grande abertura de alma, nunca recusando o encontro e o diálogo com todos, respondendo concretamente ao convite do apóstolo de estar «sempre pronto a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça» (1 Pe 3, 15). Fê-lo com um espírito de caridade pastoral profunda, segundo o seu moto episcopal, Pro veritate adversa diligere, atento a todas as situações, especialmente as mais difíceis, próximo, com amor, a quem vivia na perda, na pobreza, no sofrimen to.

Numa homilia do seu longo ministério ao serviço desta arquidiocese ambrosiana dizia assim: «Pedimos-te, Senhor, que faças de nós nascente de água para os outros, pão partido para os irmãos, luz para os que caminham nas trevas, vida para aqueles que andam às cegas na sombra da morte.

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Senhor, sê a vida do mundo; Senhor, guia-nos para a tua Páscoa; juntos caminharemos para ti, levaremos a tua cruz, gozaremos a comunhão com a tua ressurreição. Contigo caminharemos para a Jerusalém celeste, para o Pai» (homilia de 29 de março de 1980).

O Senhor, que guiou o cardeal Carlo Maria Martini em toda a sua existência, acolha este infatigável servo do Evangelho e da Igreja na Jerusalém do Céu. A todos os presentes que choram a sua perda, chegue o conforto da minha Bênção.

 

Depoimento do porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa

Em depoimento enviado à Agência Ecclesia, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, também pertencente à Companhia de Jesus, revelou que o cardeal Martini lhe disse que «andou sempre com a bengala na mão» durante o último conclave, realizado em 2005 após a morte de João Paulo II. 

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«Para bom entendedor, estas meias palavras bastam para indicar que assim procurava evitar que alguns cardeais tivessem a tentação de votar nele», sublinha o padre Manuel Morujão.

O religioso português conheceu o padre Carlo Maria Martini na década de 70, em Roma, quando estudava teologia na Universidade Gregoriana, e nesse tempo ouviu algumas das conferências do futuro cardeal, numa altura em que era reitor do Pontifício Instituto Bíblico.

«Em múltiplas ocasiões nos encontrámos pessoalmente, a última das quais no período em que, depois de passar a Arcebispo emérito de Milão, vivia entre Jerusalém e Roma, há quatro anos», recorda.

O também secretário do episcopado português lembra que «a doença de Parkinson já se notava» em Carlo Maria Martini, que assumiu «o peso» dessa «cruz» com a «elegância da fé».

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«Era um homem de ampla cultura, profundo conhecedor da Bíblia e de intensa vivência da fé. Encarnava a ideia que tenho do “profeta”, daquele que conhecendo intimamente a Deus, tem toda a autoridade para ser seu porta voz», assinala.

Entre as iniciativas que promoveu em Milão, o padre Manuel Morujão destacou os “Diálogos com a descrença”, «em que periodicamente se encontrava com ateus e agnósticos, em diálogo cultural», muitos anos antes de a Igreja Católica instituir o ‘Átrio dos Gentios’, plataforma para o diálogo com os não crentes.

«A Igreja vê partir para Deus um profeta corajoso do diálogo com o mundo moderno, um atualizador das linhas mestras do Concílio Vaticano II [1962-1965]», também na internet, onde colaborava no site vivailconcilio.com, acrescentou.

À frente da arquidiocese milanesa, «uma das maiores do mundo», revelou-se «um pastor com a capacidade de dar realidade a sonhos».

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«Com a passagem pela vida de um homem como o Cardeal Martini, a Igreja não fica na mesma, converte-se em melhor, aproxima se da terra prometida», concluiu o padre Manuel Morujão.

 

Morte do cardeal Martini na imprensa italiana

A imprensa italiana destacou no sábado a morte do cardeal. O “La Repubblica” qualificou o prelado de «bispo do diálogo» e citou declarações do presidente italiano, Giorgio Napolitano, que classificou de «grave perda» a «dolorosa» morte do jesuíta, enquanto que a revista “Panorama” escreveu que o responsável foi um «testemunho incómodo» até ao fim.

«Milão chora Martini», sublinhou o “Corriere della Sera”, que dedicou o editorial ao arcebispo emérito e que, como outros media, recordou a recusa do cardeal em prolongar o tratamento da doença de Parkinson com meios artificiais.

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Em carta publicada no diário de Milão, citada pelo jornal L'Unità, o primeiro ministro Mario Monti assinalou que «o desaparecimento do cardeal Carlo Maria Martini priva a comunidade dos crentes, mas também a multidão de quantos não creem ou não estão certos de crer, de um ponto de referência dotado de carisma excecional», a par de um «profundo respeito por cada interlocutor».

O prelado nascido em Turim a 15 de fevereiro de 1927 foi a «alma da corrente “reformista” da Igreja», lembrava o “La Stampa”, ao passo que a agência “Ansa” realçou que o biblista assumiu «muitas vezes posições “avançadas”, não só sobre temas éticos, e não raras vezes em discordância com a linha oficial da hierarquia» do Vaticano.

O “Avvenire”, ligado a meios católicos, salientou que o luto «ultrapassa Milão», revelando que o prelado celebrou a última missa na quinta-feira.

 

La Stampa, Agência Ecclesia
04.09.12

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