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Arte e espírito: acentuar convergências, esbater oposições

Imagem Eduardo Lourenço, José Carlos Seabra Pereira, José Tolentino Mendonça | Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, Lisboa | 5.11.2015 | D.R.

Arte e espírito: acentuar convergências, esbater oposições

O presidente do Conselho de Administração da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva (FASVS) considera que arte e espírito podem convergir, apesar de serem muitas vezes analisados enquanto dinamismos opostos.

A perspetiva de António Gomes de Pinho foi recolhida minutos antes do primeiro encontro do ciclo de debates "Espírito da Arte / Arte do Espírito", que decorreu a 5 de novembro, em Lisboa, projeto resultante da parceria entre a Fundação, que acolhe os encontros, e o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC).

Mais de uma centena de pessoas lotaram o auditório da FASVS para ouvir o pensador Eduardo Lourenço e o padre José Tolentino Mendonça, que após as intervenções responderam às perguntas colocadas pelo público, em conversa moderada pelo diretor do SNPC, José Carlos Seabra Pereira.

Com mandato à frente da Fundação até fevereiro de 2017, Gomes de Pinho, na entrevista que seguidamente transcrevemos, pronunciou-se também sobre a relação entre a Igreja católica em Portugal e o mundo da cultura, que classificou de insatisfatória, embora prometedora.

 

Que critérios definem a parceria da FASVS com o SNPC para a realização deste ciclo?
Nós, na Fundação, estamos muito satisfeitos por podermos iniciar este processo de colaboração, porque tendo sido ela constituída, à partida, para colher, estudar, mostrar e preservar o património de Vieira da Silva e do seu marido, Arpad Szenes, inspira-se no pensamento destes artistas, muito baseado em valores humanistas, independentemente das opções concretas - sociais, políticas, religiosas - que cada um deles tinha. Por isso há um quadro de valores de referência que continuam a inspirar a nossa atuação.
Portanto, é para nós muito adequado promover este tipo de reflexão, no sentido de a aprofundar e alargar, pondo em confronto coisas que muitas vezes são consideradas como estando em oposição, mas que, com frequência, convergem.
Alguém dizia que mais do que divergência entre cultura e religião, há uma espécie de concorrência, porque assim como Deus, para os cristãos, é o Criador, os artistas consideram-se também criadores da sua arte. Nesta convergência que representa o ato de criar, há uma atitude que nós estamos empenhados em aprofundar, e este é o primeiro passo.
Esperamos que a reflexão de carácter mais geral que vamos ter esta tarde possa vir a ser declinada nas diversas áreas da criação cultural com a intervenção de artistas e outras pessoas, independentemente do seu posicionamento, contribuindo para que nos tornemos todos mais conscientes daquilo que nos une quando parece que nos divide.
É esta a linha de intervenção da Fundação, que hoje começa a encontrar-se com a linha de outra instituição que muito respeitamos. E não teríamos melhor momento do que juntar estas três pessoas que, embora partindo de posições iniciais diversas, com mundivisões diferentes, podem convergir. E é com muita expectativa que esperamos o diálogo, o debate, o confronto e, provavelmente a convergência.

O que lhe sugere a denominação deste ciclo, "Espírito da Arte / Arte do Espírito"?
Sugere-me a ideia de confluência, convergência. Aparentemente trata-se de uma formulação dicotómica, mas na realidade, e talvez a minha perspetiva seja mais do foro da emoção do que da razão, vem-me à ideia o facto de haver planos que são comuns nas coisas do espírito e nas coisas da arte.
Ao aprofundarmos o processo de criação artística, vemos que muitas vezes é difícil, penoso, exigente, é feito de procura e de elementos muito diversos. É frequente haver orientações e objetivos diferentes ao longo da vida dos artistas, mas persiste a ideia de inconformismo, de insatisfação com a sociedade que temos, de pôr em causa muita coisa, mas sempre na perspetiva de alcançar algo que, na generalidade dos casos, é da dimensão espiritual. Isto pode ter traduções materiais, porque os artistas vivem como as outras pessoas, mas o essencial na criação artística é essa procura de alguma coisa de transcendental. E nós estamos muito motivados por ser possível lançar esse debate.

A título pessoal, como vê a relação da Igreja católica em Portugal com a cultura?
Eu sou católico e tenho estado sempre muito ligado às coisas da cultura, e devo dizer-lhe que muitas vezes olho para esse relacionamento com insatisfação, no sentido de pensar que seria importante haver uma relação mais profunda, mais íntima entre a Igreja, como instituição, e o mundo da cultura.
Não quero dizer que não haja muitos exemplos extraordinários em que, pontualmente, isso acontece. Mas eu gostaria de ver a Igreja como força de dimensão cultural, e que isso aparecesse aos olhos da generalidade das pessoas. Assim como aconteceu noutras épocas, que, por exemplo, as igrejas, enquanto edifícios, fossem expressão do melhor da arquitetura contemporânea, ou que a arte - pintura, poesia, teatro, cinema - pudessem também exprimir valores fundamentais da nossa espiritualidade. Nem sempre isso tem acontecido.
Penso que o momento de maior afastamento já passou. Vejo que há um desejo de aproximação, porque as pessoas sentem esta falta de valores e objetivos, e isso é sentido transversalmente por todos, e muito sentido pelos artistas. Por isso creio que há um caminho a percorrer de valorização destes aspetos, e também de exigência crítica da parte da Igreja quando se aproxima do mundo da cultura, não condescendendo com o facilitismo, o vulgar, o popular.
Dito isto, tenho verificado uma evolução muito significativa a vários níveis. Hoje temos aqui o professor, padre Tolentino Mendonça, que é um grande vulto da cultura portuguesa e é reconhecido como tal, como há artistas, leigos ou até que não têm, provavelmente, uma ligação de fé à Igreja mas têm valores que com ela se identificam.
Um acontecimento muito interessante foi o facto de o Vaticano ter começado a ter um pavilhão na Bienal de Veneza. Eu visitei-o detalhadamente, e trata-se de um momento de grande afirmação do poder e do prestígio de artistas que, ao aceitarem fazer parte da exposição, terão, provavelmente, alguma identidade com a Igreja.
Portanto, acredito que é possível aprofundar a relação entre Igreja e cultura, mas parto de uma base de grande insatisfação.

 

ImagemD.R.

 

Rui Jorge Martins
Publicado em 09.11.2015 | Atualizado em 29.04.2023

 

 
Imagem Eduardo Lourenço, José Carlos Seabra Pereira, José Tolentino Mendonça | Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, Lisboa | 5.11.2015 | D.R.
É para nós muito adequado promover este tipo de reflexão, no sentido de a aprofundar e alargar, pondo em confronto coisas que muitas vezes são consideradas como estando em oposição, mas que, com frequência, convergem
Eu sou católico e tenho estado sempre muito ligado às coisas da cultura, e devo dizer-lhe que muitas vezes olho para esse relacionamento com insatisfação, no sentido de pensar que seria importante haver uma relação mais profunda, mais íntima entre a Igreja, como instituição, e o mundo da cultura
Gostaria de ver a Igreja como força de dimensão cultural, e que isso aparecesse aos olhos da generalidade das pessoas. Assim como aconteceu noutras épocas, que, por exemplo, as igrejas, enquanto edifícios, fossem expressão do melhor da arquitetura contemporânea, ou que a arte - pintura, poesia, teatro, cinema - pudessem também exprimir valores fundamentais da nossa espiritualidade
Penso que o momento de maior afastamento já passou. Vejo que há um desejo de aproximação, porque as pessoas sentem esta falta de valores e objetivos, e isso é sentido transversalmente por todos, e muito sentido pelos artistas
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