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Leitura: "Acompanhamento espiritual - Sabedoria para percorrer o longo caminho da fé"

Imagem Capa (det.) | D.R.

Leitura: "Acompanhamento espiritual - Sabedoria para percorrer o longo caminho da fé"

A Editorial A.O. lançou recentemente a obra "Acompanhamento espiritual - Sabedoria para percorrer o longo caminho da fé", que recolhe conselhos de Henri Nouwen (1932-1996) «sobre como viver uma vida profundamente espiritual em comunhão com outros».

O livro, organizado por dois dos estudantes orientados por Nouwen, Michael J. Christensen e Rebecca J. Laird, oferece ao leitor a possibilidade de «reorientar a sua vida, abrindo a porta para uma verdadeira transformação espiritual», assinala a sinopse.

«Com esta obra, o leitor pode fazer a experiência de ter Henri Nouwen como seu companheiro espiritual, respondendo às suas questões sobre a vida espiritual no estilo sábio, acolhedor e comprometido que o tornou famoso», acrescenta a nota de apresentação.

 

Introdução
Henri J. M. Nouwen

Ao iniciarmos juntos esta viagem de orientação espiritual, gostaria de convidar o leitor a criar espaço para Deus na sua vida. Isto requer tempo e compromisso. Qualquer compromisso de acompanhamento espiritual envolve a oportunidade de se criar uma amizade espiritual, e oferece o tempo, a estrutura, a sabedoria e a disciplina necessários para gerar espaço sagrado na sua vida, no qual Deus pode agir. Ao criar um espaço sagrado, o leitor está a reservar uma parte de si e, assim, a impedir que a sua vida esteja totalmente preenchida com ocupações ou preocupações. O acompanhamento espiritual dota a sua vida de um «endereço» que lhe permite ser «contactado» por Deus na oração. Quando assim acontece, a sua vida começa inesperadamente a ser transformada, pois Deus trabalha de formas maravilhosas e surpreendentes.

O propósito do acompanhamento espiritual é a formação espiritual – a capacidade consciente e em permanente fortalecimento de viver uma vida espiritual a partir do coração. Uma vida espiritual não pode forjar-se sem disciplina, sem prática e sem responsabilidade. Há inúmeras formas de disciplina espiritual. Em geral, qualquer coisa que regularmente nos peça para abrandarmos e ordenarmos o nosso tempo, os nossos desejos e pensamentos, de modo a contrariarmos o egoísmo, a impulsividade ou a obscuridade que a preocupação origina na nossa mente, pode servir como disciplina espiritual.

Para mim, há pelo menos três disciplinas ou práticas espirituais clássicas que são particularmente úteis na relação criada pelo acompanhamento espiritual. Cada uma delas permite criar espaço dentro de nós para Deus: (1) a disciplina do Coração, (2) a disciplina do Livro e (3) a disciplina da Igreja ou comunidade de fé. Em conjunto, estas práticas espirituais ajudam-nos a ultrapassar as nossas resistências à escuta contemplativa e à obediência ativa a Deus, e libertam-nos para podermos viver uma vida espiritual plena e gratificante.

 

Contemplar o nosso coração e com o coração

A primeira e a mais importante prática espiritual que um diretor espiritual deve pedir que a pessoa siga é a disciplina do Coração. A introspeção e a oração contemplativa constituem a antiga disciplina pela qual começamos a ver Deus no nosso coração. A oração interior consiste em estarmos cuidadosamente atentos Àquele que habita o centro do nosso ser. Através da oração, despertamos para a consciência de Deus dentro de nós. Com a prática, permitimos que Deus entre no pulsar do nosso coração e na nossa respiração, nos nossos pensamentos e emoções, na nossa visão, audição, toque e sabor, e em cada membrana do nosso corpo. Ao estarmos despertos para a presença de Deus em nós, podemos começar, realmente, a ver Deus no mundo à nossa volta.

A disciplina do Coração torna-nos conscientes de que orar não é apenas ouvir o coração, mas, essencialmente, ouvir com o coração.

A oração ajuda-nos a estar na presença de Deus com tudo aquilo que temos e somos: medos e ansiedades, culpa e vergonha, as nossas fantasias sexuais, a nossa ganância e a nossa raiva, as nossas alegrias, os sucessos, as aspirações e as esperanças, as nossas reflexões, os sonhos e divagações e, acima de tudo, a nossa relação com a família, amigos e inimigos; em suma, tudo aquilo que faz de nós o que somos. Com toda esta bagagem, devemos escutar a voz de Deus e permitir que Ele nos fale em cada recanto do nosso ser.

O nosso ser, com todos os seus recantos, inclui, claro está, o corpo físico. De facto, o «coração» não é um órgão meramente espiritual, mas o lugar secreto, dentro de nós, onde espírito, alma e corpo se unem e manifestam a totalidade do ser. Não podemos conceber o coração desligado do espírito e do corpo. Somos chamados a amar a Deus e ao próximo com todo o nosso coração, toda a nossa alma, todo o nosso entendimento e todas as nossas forças (Lucas 10, 27).

Isto é muito difícil de fazer, devido aos nossos medos e inseguranças. Teimamos em esconder-nos de Deus e dos outros. Temos tendência a apenas mostrar a Deus e aos outros aquelas partes de nós com as quais nos sentimos relativamente confortáveis e que pensamos que darão origem a uma resposta positiva. Assim, a nossa oração torna-se muito seletiva e limitada. É evidente que a disciplina do coração pede alguma orientação que nos permita ultrapassar medos, aprofundar a nossa fé e ir descobrindo aquilo que Deus é para nós. As perguntas que, por norma, um diretor espiritual colocará são: Que lugar tem a oração na sua vida? De que forma tem dado espaço, na sua vida, para que Deus lhe possa falar?

 

Procurar Deus no Livro

A segunda disciplina essencial no acompanhamento espiritual é a disciplina do Livro, pela qual contemplamos Deus através da "lectio divina" – a leitura sagrada das Escrituras e de outros textos espirituais.

Quando estamos realmente comprometidos com a vida espiritual, é fundamental escutar, de forma pessoal e íntima, a palavra de Deus conforme nos é transmitida pelas Escrituras. A disciplina do Livro é a disciplina da leitura e meditação devocionais de um texto sagrado que conduz à oração. Meditar significa deixar a palavra descer da nossa mente até ao nosso coração, interiorizando-se e encarnando em nós. Meditar significa ingerir a palavra, digeri-la e incorporá-la concretamente na nossa vida. A meditação é a disciplina pela qual deixamos a palavra de Deus tornar-se palavra para nós, ancorando-se no centro do nosso ser e convertendo-se na fonte das nossas ações. Desta forma, a meditação é a Encarnação continuada de Deus no nosso mundo. A disciplina do Livro conduz-nos no caminho da verdadeira obediência interior. Pela prática regular da meditação, desenvolvemos um ouvido interior que nos permite reconhecer a palavra de Deus, que se dirige diretamente às nossas necessidades e aspirações mais íntimas. Quando ouvimos uma frase, uma história ou uma parábola, não de forma a sermos simplesmente instruídos, informados ou inspirados, mas para nos tornarmos uma pessoa verdadeiramente obediente, então o Livro oferece discernimento espiritual fidedigno. A prática diária da "lectio divina" (leitura sagrada), com o tempo, transforma a nossa identidade pessoal, as nossas ações e a nossa vida comum de fé. Um diretor espiritual experiente ajuda-nos a manter honesto e regular o nosso compromisso com a palavra de Deus e acrescenta-lhe a perspetiva da interpretação geral. As Escrituras têm uma palavra particular para nós, mas o conhecimento do ensinamento cristão histórico ajuda-nos a evitar a armadilha fácil de querer que as Escrituras apoiem os nossos desígnios pessoais.

 

Olhar os outros em comunidade

A terceira chave para o acompanhamento espiritual é a disciplina da Igreja ou da comunidade de fé. Esta prática espiritual requer que nos relacionemos com o povo de Deus, que sejamos testemunhas da presença ativa de Deus na história e na comunidade, «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome» (Mateus 18, 20).

Uma comunidade de fé lembra-nos continuamente aquilo que realmente se passa no mundo e na nossa vida. A liturgia e o lecionário da Igreja – as orações normalmente usadas, os rituais, as passagens das Escrituras e o calendário que segue a vida de Cristo ao longo do ano – desvendam-nos, por exemplo, a profundidade da vida de Cristo e o seu significado. Cristo vem, Cristo está a nascer, Cristo manifesta-Se ao mundo, Cristo está a sofrer, Cristo está a morrer, Cristo está a ressuscitar, Cristo está a ascender aos Céus, Cristo envia o Espírito. Estes não são simples acontecimentos que tiveram lugar há muito tempo e que são recordados com uma certa melancolia; estes acontecimentos têm lugar na vida quotidiana da comunidade cristã. Na vida de Cristo, e através dela, recordada na comunidade e na liturgia, Deus manifesta a sua presença ativa. É esse o propósito do Advento, do Natal, da Epifania, da Quaresma, da Páscoa, da Ascensão e do Pentecostes. A Igreja chama a nossa atenção para os eventos divinos que subjazem a toda a História e que nos permitem entender o significado da nossa própria história.

Escutar a Igreja é escutar o Senhor da Igreja, o que significa, na prática, tomar parte na vida litúrgica da Igreja. Durante o Advento, o Natal, a Quaresma, a Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes, há festas, celebrações e cantos que nos ensinam a melhor conhecer Jesus e que nos unem mais intimamente à vida divina dentro da comunidade de fé. Quanto mais permitirmos que os acontecimentos da vida de Cristo nos ensinem e moldem, mais capacidade teremos de entender as nossas histórias diárias à luz da história maior que é a presença de Deus na nossa vida. Além disso, a disciplina da Igreja, enquanto comunidade de fé, funciona como nosso diretor espiritual, ao dirigir o nosso coração e o nosso entendimento Àquele que verdadeiramente enche de significado as nossas vidas. As conversas com o nosso diretor espiritual oferecem-nos uma experiência interpessoal da comunidade cristã e a possibilidade de entendermos como a nossa vida, individualmente, é parte da grande história de Deus e do seu povo, em constante manifestação.

Estas três disciplinas – o Coração, o Livro e a Igreja – exigem discernimento, responsabilidade e orientação espiritual, de modo a podermos ultrapassar a nossa surdez e resistência e a tornarmo- -nos pessoas livres e obedientes que escutam a voz de Deus até mesmo quando ela nos chama para lugares desconhecidos.

Então, se o leitor estiver interessado em começar a viagem, tenho muito mais a dizer-lhe, pois esta jornada da vida espiritual pede não só determinação e disciplina, mas também que se conheça, pela experiência, o terreno a percorrer. Não quero que tenha de divagar pelo deserto durante quarenta anos, como aconteceu com os nossos antepassados espirituais. Nem sequer quero que tenha de lá permanecer tanto tempo quanto eu. Embora seja verdade que cada um tem de aprender por si, continuo a crer que podemos acautelar aqueles que amamos de cometerem os mesmos erros que nós. No caminho da vida espiritual, necessitamos de guias. Gostaria de ser o seu guia. Espero que esteja interessado em percorrê-lo comigo.

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

Publicado em 08.05.2016

 

Título: Acompanhamento Espiritual – Sabedoria para percorrer o longo caminho da fé
Autor: Henri Nouwen
Editora: Editorial A.O.
Páginas: 208
Preço: 12,00 €
ISBN: 978-972-39-0813-8

 

 
Imagem Capa | D.R.
Uma vida espiritual não pode forjar-se sem disciplina, sem prática e sem responsabilidade. Há inúmeras formas de disciplina espiritual. Em geral, qualquer coisa que regularmente nos peça para abrandarmos e ordenarmos o nosso tempo, os nossos desejos e pensamentos, de modo a contrariarmos o egoísmo, a impulsividade ou a obscuridade que a preocupação origina na nossa mente, pode servir como disciplina espiritual
A primeira e a mais importante prática espiritual que um diretor espiritual deve pedir que a pessoa siga é a disciplina do Coração. A introspeção e a oração contemplativa constituem a antiga disciplina pela qual começamos a ver Deus no nosso coração. A oração interior consiste em estarmos cuidadosamente atentos Àquele que habita o centro do nosso ser
Teimamos em esconder-nos de Deus e dos outros. Temos tendência a apenas mostrar a Deus e aos outros aquelas partes de nós com as quais nos sentimos relativamente confortáveis e que pensamos que darão origem a uma resposta positiva. Assim, a nossa oração torna-se muito seletiva e limitada
Meditar significa deixar a palavra descer da nossa mente até ao nosso coração, interiorizando-se e encarnando em nós. Meditar significa ingerir a palavra, digeri-la e incorporá-la concretamente na nossa vida. A meditação é a disciplina pela qual deixamos a palavra de Deus tornar-se palavra para nós, ancorando-se no centro do nosso ser e convertendo-se na fonte das nossas ações
Quanto mais permitirmos que os acontecimentos da vida de Cristo nos ensinem e moldem, mais capacidade teremos de entender as nossas histórias diárias à luz da história maior que é a presença de Deus na nossa vida
Estas três disciplinas – o Coração, o Livro e a Igreja – exigem discernimento, responsabilidade e orientação espiritual, de modo a podermos ultrapassar a nossa surdez e resistência e a tornarmo- -nos pessoas livres e obedientes que escutam a voz de Deus até mesmo quando ela nos chama para lugares desconhecidos
Embora seja verdade que cada um tem de aprender por si, continuo a crer que podemos acautelar aqueles que amamos de cometerem os mesmos erros que nós. No caminho da vida espiritual, necessitamos de guias. Gostaria de ser o seu guia
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