Entre as muitas tristezas espirituais do mundo contemporâneo está a incapacidade de saber ler na natureza que nos rodeia uma extraordinária oferta de Graça que se manifesta através da gratuidade da beleza.
Amedrontados pelo poder de tudo o que está vivo e foge ao nosso domínio, decidimos refrear também a Criação numa rígida ideologia. Todos nós queremos salvar a Terra – e é absolutamente justo fazê-lo –, mas no fundo não sabemos verdadeiramente porquê.
Recordo a visita, há alguns anos, de uma jornalista muito comprometida nas batalhas ecológicas. Quando a acompanhei na minha horta, conseguiu pisar praticamente todas as plantinhas que estavam timidamente a desabrochar.
Continuava a falar desabridamente e quando a adverti – atenção às minhas cenouras! –, não baixou os olhos nem levantou o pé. Com o olhar obstinadamente fixo no horizonte, continuou a falar-me, imperturbável, das baleias. Defendia as baleias mas esmagava as cenouras!
Quantas vezes, para seguir uma ideia da nossa cabeça, não conseguimos ver a realidade que está debaixo dos nossos olhos. Essa realidade implora a nossa atenção, mas não somos capazes de ouvir a sua frágil e humilde voz.
E todavia, não é precisamente o assumir o cuidado por tudo o que vive e cresce à nossa volta, com a pressurosa atenção de uma mãe, a cura de todos os nossos males?
Susanna Tamaro