«Por vezes podemos acreditar que não precisamos de nada, que nos bastamos anos próprios, e viver na mais completa autossuficiência. Mas mais cedo ou mais tarde esta ilusão desvanece-se. O ser humano é uma invocação, que por vezes se torna grito, muitas vezes contido. A alma assemelha-se a uma terra árida, sedenta. Todos experimentamos, num momento ou noutro da nossa existência, o tempo da melancolia, da solidão. A Bíblia não se envergonha de mostrar a condição humana marcada pela doença, pelas injustiças, pelas traições dos amigos, ou pela ameaça dos inimigos. Por vezes, parece que tudo desaba, que a vida vivida até então foi em vão. Nestas situações, aparentemente sem saída, há um único caminho: o grito, a oração: «Senhor, ajuda-me!». A oração abre rasgos de luz nas trevas mais densas.»
«Nós, seres humanos, partilhamos esta invocação de ajuda com toda a criação. Não somos os únicos a “rezar” neste imenso universo: cada fragmento da criação traz inscrito o desejo de Deus. S. Paulo expressou-o desta maneira: “Sabemos que toda junta a criação geme e sofre as dores do parto até hoje. Não só, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos interiormente”. Em nós ressoa o multiforme gemido das criaturas: das árvores, das rochas, dos animais… Cada coisa anela a um cumprimento.»
«Por isso, não devemos escandalizar-nos se sentimos a necessidade de rezar, sobretudo quando estamos na carência. É verdade: devemos aprender a fazê-lo também nos tempos felizes; agradecer a Deus por cada coisa que nos é dada, e não considerar nada como adquirido ou devido: tudo é graça. (…) Todavia, não sufocamos a súplica que brota em nós, espontânea. A oração de petição caminha a par da aceitação do nosso limite e da nossa condição de sermos criaturas. Pode até chegar-se a não acreditar em Deus, mas é difícil não acreditar na oração: ela, simplesmente, existe; apresenta-se a nós como um grito; e todos temos a ver com esta voz interior que pode, talvez, calar-se durante muito tempo, mas um dia desperta e grita.»
«Deus responde. Não há orante no Livro dos Salmos que erga o seu lamento e fique por escutar. A Bíblia repete-o vezes infinitas: Deus escuta o grito de quem o invoca. Mesmo os nossos pedidos balbuciados, mesmo aqueles que permanecem no fundo do coração. O Pai quer dar-nos o seu Espírito, que anima toda a oração e transforma todas as coisas. É questão de paciência, de suster a espera. (…) Até a morte estremece, quando um cristão reza, porque sabe que cada orante tem um aliado mais forte que ela: o Senhor Ressuscitado. A morte já foi derrotada em Cristo, e virá o dia em que tudo será definitivo, e ela já não escarnecerá da nossa vida e da nossa felicidade.»
«Aprendamos a estar à espera do Senhor. O Senhor vem visitar-nos, não só nestas grandes festas - o Natal, a Páscoa -, mas o Senhor visita-nos a cada dia na intimidade do nosso coração se estamos à espera. E muitas vezes não nos damos conta de que o Senhor está próximo, que bate à nossa porta, e nós deixamo-lo passar. "Tenho medo de Deus quando passa; tenho medo que passe e eu não me dê conta", dizia Santo Agostinho. E o Senhor passa, o Senhor vem, o Senhor bate. Mas se tu tens os ouvidos cheios de outros ruídos, não ouvirás o chamamento do Senhor. Irmãos e irmãs, estar à espera: esta é a oração.»