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«A Igreja é Igreja se é Igreja de mártires», afirma papa, que pede «santos de todos os dias»

«A Igreja é Igreja se é Igreja de mártires», afirma papa, que pede «santos de todos os dias»

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Viemos como peregrinos a esta basílica de S. Bartolomeu, na ilha Tiberina [Roma], onde a história antiga do martírio se une à memória dos novos mártires, dos muitos cristãos mortos pelas insanas ideologias do século passado - e também de hoje -, e mortos apenas por serem discípulos de Jesus.

A recordação destes heróicos testemunhos antigos e recentes confirma-nos na consciência de que a Igreja é Igreja se é Igreja de mártires. E os mártires são aqueles que, como nos recordou o livro do Apocalipse, «vêm da grande tribulação e lavaram as suas vestes, tornando-as brancas como a neve no sangue do Cordeiro» (7, 17). Tiveram a graça de confessar Jesus até ao fim, até à morte. Eles sofrem, eles dão a vida, e nós recebemos a bênção de Deus pelo seu testemunho. E há também muitos mártires ocultos, aqueles homens e aquelas mulheres fiéis à força mansa do amor, à voz do Espírito Santo, que na vida de cada dia procuram ajudar os irmãos e amar Deus sem reservas.

Se virmos bem, a causa de toda a perseguição é o ódio: o ódio do príncipe deste mundo para quantos foram salvos e redimidos por Jesus com a sua morte e com a sua ressurreição. No trecho do Evangelho que escutámos [João 15, 12-19], Jesus usa uma palavra forte e tremenda: a palavra «ódio». Ele, que é o mestre do amor, a quem tanto agradava falar de amor, fala de ódio. Mas Ele queria sempre chamar as coisas pelo seu nome. E diz-nos: «Não se assustem! O mundo odiar-vos-á; mas sabei que antes de vós, me odiou a mim».



Eu gostaria, hoje, de acrescentar mais um ícone, nesta igreja. Uma mulher. Não sei o nome. Mas ela olha-nos do céu. Estava em Lesbos, saudava os refugiados e encontrei um homem de trinta anos, com três crianças. Olhou-me e disse-me: «Padre, eu sou muçulmano. A minha mulher era cristã. Ao nosso país vieram os terroristas, olharam-nos e perguntaram pela religião, e viram-na com o crucifixo, e disseram-lhe para o lançar por terra. Ela não o fez e cortaram-lhe o pescoço à minha frente. Nós amávamo-nos tanto!»



Jesus escolheu-nos e resgatou-nos, por um dom gratuito do seu amor. Com a sua morte e ressurreição resgatou-nos do poder do mundo, do poder do diabo, do poder do príncipe deste mundo. E a origem do ódio é esta: uma vez que fomos salvos por Jesus, e o príncipe do mundo não o quer, ele odeia-nos e suscita a perseguição, que desde os tempos de Jesus e da Igreja nascente continua até aos nossos dias. Quantas comunidades cristãs são hoje objeto de perseguição! Porquê? Por causa do ódio do espírito do mundo.

Quantas vezes, em momentos difíceis da história, se ouviu dizer: «Hoje a pátria precisa de heróis». O mártir pode ser pensado como um herói, mas o fundamental do mártir é que foi um "agraciado": é a graça de Deus, não a coragem, aquilo que nos faz mártires. Hoje, da mesma maneira pode perguntar-se: «De que coisa precisa hoje a Igreja?». De mártires, de testemunhas, isto é, dos santos de todos os dias. Porque a Igreja é levada para a frente pelos santos. Os santos: sem eles, a Igreja não pode seguir em frente. A Igreja precisa dos santos de todos os dias, os da vida normal, levada por diante com coerência; mas também daqueles que têm a coragem de aceitar a graça de serem testemunhas até ao fim, até à morte. Todos eles são o sangue vivo da Igreja. São as testemunhas que levam a Igreja por diante; aqueles que atestam que Jesus ressuscitou, que Jesus está vivo, e atestam-no com a coerência de vida e com a força do Espírito Santo que receberam em dom. 

Gostaria, hoje, de acrescentar mais um ícone, nesta igreja. Uma mulher. Não sei o nome. Mas ela olha-nos do céu. Estava em Lesbos, saudava os refugiados e encontrei um homem de trinta anos, com três crianças. Olhou-me e disse-me: «Padre, eu sou muçulmano. A minha mulher era cristã. Ao nosso país vieram os terroristas, olharam-nos e perguntaram pela religião, e viram-na com o crucifixo, e disseram-lhe para o lançar por terra. Ela não o fez e cortaram-lhe o pescoço à minha frente. Nós amávamo-nos tanto!». Este é o ícone que trago hoje como oferta, hoje. Não sei se aquele homem está ainda em Lesbos ou conseguiu ir para outro lugar. Não sei se foi capaz de sair daquele campo de concentração, porque os campos de refugiados - muitos - são de concentração, pela multidão de gente que é lá deixada. E os povos generosos que os acolhem têm de levar por diante também este peso, porque os acordos internacionais parecem que são mais importantes do que os direitos humanos. E este homem não tinha rancor: ele, muçulmano, tinha esta cruz de dor levada por diante sem rancor. Refugiava-se no amor da mulher, agraciada pelo martírio.

Recordar estas testemunhas da fé e rezar neste lugar é um grande dom. É um dom para a Comunidade de Santo Egídio, para a Igreja em Roma, para todas as comunidades cristãs desta cidade, e para muitos peregrinos. A herança viva dos mártires dá-nos hoje paz e unidade. Eles ensinam-nos que, com a força do amor, com a mansidão, se pode lutar contra a prepotência, a violência, a guerra, e pode-se realizar com paciência a paz. E então possamos rezar assim: «Ó Senhor, torna-nos dignos testemunhos do Evangelho e do teu amor; infunde a tua misericórdia sobre a humanidade; renova a tua Igreja, protege os cristãos perseguidos, concede depressa a paz ao mundo inteiro. A ti, Senhor, a glória, e a nós, Senhor, a vergonha».



 

Papa Francisco
22.4.2017
Liturgia da Palavra em memória dos "Novos Mártires" dos séculos XX e XXI, com a Comunidade de Santo Egídio | Basílica de S. Bartolomeu, Roma
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: SNPC
Publicado em 22.04.2017 | Atualizado em 30.04.2023

 

 
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