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Deus, dinheiro e consciência

As Paulinas lançaram na última semana o livro "Deus, dinheiro e consciência", prefaciado por Marcelo Rebelo de Sousa e assinado pelo monge Anselm Grün e por Jochen Zeitz, presidente do Conselho de Administração da "Puma", empresa de vestuário, sapatos e artigos desportivos.

«Anselm Grün estudou teologia e gestão de empresas. Há mais de 30 anos que é responsável pela administração financeira da abadia beneditina de Münsterschwarzach, na Alemanha, que conta com mais de 300 funcionários em diferentes empresas artesanais. É considerado um dos grandes mestres de espiritualidade atuais». Publicou mais de 300 títulos que venderam 16 milhões de exemplares, traduzidos em 35 idiomas.

Aos 30 anos Jochen Zeitz «tornou-se um dos mais jovens diretores a liderar o Conselho de Administração duma empresa alemã cotada em bolsa». Desde 2010 que a redefine segundo o conceito de sustentabilidade. Zeitz desenvolve também, há muitos anos, um trabalho de ajuda em África.

«O que mais importa é manter, num tempo e num espaço de desânimo, quando não de desespero, acesa a esperança e firme a determinação de acreditar num mundo melhor», escreve Marcelo Rebelo de Sousa.

 

Excertos

Tendo plena consciência da importância de promover dependências globais, criámos, dentro da Puma, uma «Visão Puma» que respeita as nossas relações enquanto pessoas e enquanto empresa, para com a nossa família global de espécies vivas. Nesta medida, a linha de ação consiste, em primeiro lugar, em promover o diálogo com os outros e, em segundo lugar, deixar-se inspirar por essas pessoas. Como mais adiante será demonstrado mais pormenorizadamente, esta visão corporativa engloba também a nossa aspiração a um mundo em paz e harmonia. Os valores-chave e as práticas da Puma resultaram do nosso desejo de atingir padrões de exigência elevados nos nossos produtos e nas nossas ações, não só no nosso consórcio, mas para além dele. Por isso nos encontramos, agora, num processo constante que visa controlar e melhorar todos os aspetos da nossa cadeia de criação de valores. Este processo estende-se às fontes de aquisição da nossa matéria-prima até às práticas através das quais protegemos os nossos trabalhadores, para nos certificarmos de que a vida é apoiada e conservada. Mas eu sei que isto é apenas um começo. Somos inspirados pela ideia dum mundo melhor, que ainda está muito longe de se tornar realidade. (Jochen Zeitz)

 

Os monges marcaram a sociedade em que viviam. Nos mosteiros da Idade Média, havia muitos postos de trabalho. Algumas das conquistas modernas da sociedade, como o seguro de doença e as pensões de reforma, eram antecipadas da forma mais humana possível: o seguro de doença era garantido pelos jardins de ervas dos claustros e pela medicina do convento, que estava disponível não apenas para os monges, mas também para os funcionários. E o problema das pensões de reforma ficava resolvido porque os funcionários permaneciam ao serviço do mosteiro até ao fim das suas vidas, recebendo do mosteiro tudo o que necessitavam para viver. O salário dos funcionários era raduzido em dinheiro e produtos do solo. Durante a vida ativa, o salário era mais elevado; quando atingiam uma idade mais avançada, a compensação com produtos do solo era mais habitual.

Um olhar breve pela história mostra que os monges mantiveram sempre uma boa relação com o seu ambiente humano, não apenas com os funcionários do mosteiro, mas também com os habitantes das aldeias ou cidades circundantes. Hoje, já não podemos regressar a esta forma de sociedade. Mas, apesar da globalização, existe uma tendência saudável para estabelecer (outra vez) ligações entre as economias mundiais e regionais. (Anselm Grün)

 

A nossa empresa devia atuar como um modelo económico, social e ambiental, que tudo engloba, sendo essa a razão do envolvimento de tantas pessoas na construção dessa visão corporativa para a nossa empresa. Quando os diretores e os funcionários sentem uma responsabilidade comum, são atingidos objetivos coletivos.

De facto, um dos mais importantes domínios da empresa é o ambiente de trabalho. Um ambiente de confiança, de criatividade, de segurança, de honestidade, de preocupação, de paz e de valores semelhantes garante, por natureza, uma boa gestão da empresa. Na realidade, somos ligeiramente desviados destes pontos, através da gestão de crises e de desenvolvimentos comerciais, mas devia ser sempre o ponto fulcral, que vem em primeiro lugar. Quando o ambiente de trabalho mantém a coesão do grupo, é possível reconhecer problemas a partir duma perspetiva correta e resolvê-los.

No mundo dos consórcios, esta ideia do ambiente social é mais conhecida por «Doing well by doing good», o que significa «fazer bem faz bem». As empresas que insistem em retribuir algo à sociedade por filantropia, pelo contacto com a comunidade e a preocupação com os funcionários, fortalecem as suas redes e criam melhores relações com o público, bem como uma ligação mais forte com os seus clientes. (Jochen Zeitz)

 

Nos anos 70, o conceito de «sociedade de consumo» foi usado com uma conotação negativa. Tinha-se a sensação de que as pessoas se orientavam, em grande medida, pela aquisição de bens materiais, ignorando outros valores, e que consumiam demasiado, o que os levava a cair numa certa letargia. Numa sociedade de consumo, as pessoas sentem-se bem, mas não contribuem em nada para a sociedade. Cria-se uma mentalidade do consumo desenfreado. Depois da Segunda Guerra Mundial, a obtenção dum certo nível de bem-estar pessoal era algo pelo qual valia a pena esforçar-se. Construir casa própria, tomar providências para o futuro e permitir-se uma vida confortável eram objetivos pelos quais se lutava com todas as forças. Contudo, os filhos desta geração pensavam que tudo iria continuar a ser assim, sem que tivessem de fazer o mínimo esforço. Esqueceram-se que esse bem-estar tinha de ser adquirido em primeiro lugar, estavam satisfeitos e eram preguiçosos. Esta satisfação já não conduz à sensação de conforto, mas sim ao bem-estar, no sentido literal da palavra. Fica-se parado. Porém, quando fico parado num sentimento de conforto, já não consigo aperceber-me disso. A sociedade estagna. Na Alemanha, sofremos com esta estagnação que a sociedade de consumo provocou. Temos de aprender, novamente, a conquistar esse conforto. Isto não se aplica apenas à economia, mas também ao nosso desenvolvimento pessoal. Não há vida sem luta nem esforço. No entanto, quando a luta se reduz a uma luta pelo bem-estar, então, não se cria qualquer tipo de bem-estar. (Anselm Grün)

 

Na Puma, já há muito que entraram em vigor uma série de diretrizes éticas, à semelhança de muitas outras empresas. No entanto, é habitual que, no caso de códigos e de outros documentos semelhantes, os interessados os leiam uma vez e, depois, fiquem esquecidos numa gaveta. Até a controversa empresa Enron possuía um código de ética. O problema, neste caso, foi que os executivos e os funcionários não aplicaram, claramente, as regras desse código. Eu queria fazer da Puma um tipo de empresa anti-Enron: uma empresa que tenta viver as suas regras de ética todos os dias.

Pareceu-me importante definir linhas éticas diretrizes para a nossa empresa, que fossem simultaneamente simples, compreensíveis e determinantes, nos seguintes aspectos: justiça, honestidade, positividade e criatividade. Estes quatro valores-chave, a que chamamos «4 Keys», servem-nos de fundamento. Eles orientam todas as nossas decisões, as nossas ações, procedimentos e práticas financeiras. Definimo-las da seguinte maneira:

JustiçaNa Puma, «justo» significa equilibrado. Vemos sempre ambos os lados e resistimos a influências que nos poderiam obrigar a uma forma extrema de pensar, trabalhar ou viver. (...)

Honestidade«Honesto» significa correto. Não queremos enganar ninguém e, portanto, às nossas palavras seguem-se os atos. (...)

Positividade«Positivo» significa construtivo. Nós edificamos coisas – e também pessoas –, não as deitamos abaixo. Nós fazemos propostas e trabalhamos para chegar a uma solução. (...)

Criatividade«Criativo» significa imaginativo. Tentamos alargar os nossos horizontes, procuramos soluções para um problema e não desistimos quando os obstáculos são muito altos. (Jochen Zeitz)

 

A educação começa, então, nas imagens que levamos connosco e dentro de nós. Certa vez, uma professora contou-me que, de manhã, quando vai para a escola, vê a imagem duma domadora de leões. Um gestor vai para o trabalho com a imagem duma sanduíche: ele sente a pressão vinda de cima e de baixo, que o aperta como se fosse uma sanduíche. Outro, quando pensa no seu trabalho, vê a imagem duma roda para hamster: ele corre, corre e não avança nem sequer um passo. Um chefe de pessoal tem a sensação que tem de ajudar a sua empresa a sair da lama. Tudo isto são imagens que os líderes transportam consigo e que interiorizaram a determinada altura. As imagens roubam-lhes a força e têm um efeito negativo nos seus funcionários. O chefe de pessoal, por exemplo, que acredita que tem de ajudar a sua empresa a sair da lama, vai trabalhar de dentes cerrados. Ele tem a sensação de que a sua tarefa não é fácil. E assim, provoca sentimentos de culpa em seu redor, porque atrás desta imagem se esconde uma crítica: «Eu estou aqui a trabalhar com todas as minhas forças e vocês estão aí, confortáveis, a ver o esforço que faço.»

Muitos líderes pensam que a sua formação terminou, depois de aprenderem os princípios de liderança ou as mais recentes teorias de liderança. O problema é que esta aprendizagem se faz apenas exteriormente. As teorias não foram interiorizadas e, por isso, acabam por não produzir qualquer efeito. Porém, as imagens têm um efeito em nós. C. G. Jung fala de «imagens arquetípicas», que movem algo em nós. Elas colocam o foco em nós. Fazem com que nos movimentemos em direção ao verdadeiro eu e são a condição para entrarmos em contacto com o potencial que está na nossa alma. Só quando esgotarmos esse potencial é que tomamos consciência das nossas tarefas enquanto líderes, agindo de forma efetiva e colhendo frutos a longo prazo. (Anselm Grün)

 

No seu livro Epistemic Responsability, a filósofa americana Lorraine Code apresenta uma tese segundo a qual o ser humano tem a responsabilidade de pensar num contexto mais alargado. Por exemplo, quando viajo da América do Norte para Inglaterra, sou responsável por saber que terei de conduzir do lado esquerdo. O mesmo acontece quando deixo a Inglaterra e vou para o Canadá – naturalmente que aqui se conduz do lado direito. Quando construo uma central nuclear, tenho a responsabilidade de saber o que um desastre nuclear nas instalações poderá implicar para a região circundante.

Os gestores vêm-se, em muitos aspetos, perante esta responsabilidade epistemológica. Quando eu, por exemplo, uso algodão – na nossa produção – que foi especialmente cultivado para esse fim, existe uma ligação entre mim e a forma de cultivo e de colheita. Sendo assim, sou parcialmente responsável pelo uso de pesticidas, pela contratação de crianças ou pela exploração de trabalhadores. Quando utilizo o couro do gado proveniente de determinadas regiões do Brasil, sou responsável pela destruição da floresta húmida, que foi desbravada para a criação de gado.

Aonde é que começa a minha responsabilidade e aonde é que ela acaba? Estou a agir de forma responsável se pagar apenas o salário mínimo e, com isto, poupar para ir buscar materiais e fornecedores amigos do ambiente? Ou quando mando abrandar as reformas nos processos de produção, para obter lucros claramente mais elevados? É verdade que a minha responsabilidade aumenta à medida que tenho consciência das consequências dos meus atos?

Quando começamos a refletir no que dizem os mestres zen e os filósofos, torna-se evidente que a responsabilidade não significa apenas levar a cabo diferentes tarefas. É, sobretudo, importante saber quais são as tarefas a cumprir, com quem, quais serão as consequências e se a pessoa certa para estas tarefas é a pessoa responsável. (Jochen Zeitz)

 

A consciência significa, antes de mais, saber de si próprio, conhecer o seu lado luminoso e o seu lado sombrio e aceitá-los. Por vezes, a autoconfiança é entendida de forma diferente. Dizemos que uma pessoa é autoconfiante quando se apresenta com segurança, quando aparentemente sabe que tem capacidades e o demonstra. Mas atrás dessa autoconfiança existe, frequentemente, um ser humano que não sabe de si mesmo, que não se conhece a si próprio, mas que mostra o contrário ao mundo exterior. Esse é o contrário da autoconfiança. Os gregos falam de syneidesis, e os latinos de conscientia. Estas palavras significam um «conhecimento comum». O conceito de consciência veio, mais tarde, da filosofia estoica e da tradição cristã. Na realidade, significa que eu não só sei algo, mas que tenho consciência de o saber, que é um conhecimento comum, um conhecimento consciente. A consciência é a norma superior para as decisões do ser humano, posiciona-se, inclusivamente, acima das leis que lhe são impostas pela sociedade. Mas uma consciência precisa de se formar primeiro. A nossa tarefa consiste em purificar a consciência dos estados de espírito, das necessidades e das exigências do chamado «superego». (Anselm Grün)

 

Anselm Grün, Jochen Zeitz
In
Deus, dinheiro e consciência, ed. Paulinas
20.11.12

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Capa

Deus, dinheiro
e consciência

Autores
Anselm Grün, Jochen Zeitz

Editora
Paulinas

Ano
2012

Páginas
248

Preço
14,90 €

ISBN
978-989-673-265-3

 

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