A Teologia visual da Beleza
Arquitectura

As atmosferas de Peter Zumthor

Vale a pena acompanhar a exposição do arquitecto Peter Zumthor pela sua próprias palavras pronunciadas numa conferência na Alemanha em Junho de 2003.

Apresentamos aqui um conjunto de excertos, ilustrados, dessa conferência, publicada pela ed. Gustavo Gili, em português, sob o título “Atmosferas”.

Do Prefácio de Brigitte Labs-Ehlert
 “Peter Zumthor aprecia lugares e casas que cuidam do homem, que o deixam viver bem e o apoiam discretamente.”

“O título Atmosferas tem origem no seguinte: interesso-me desde há muito, como é natural, sobre: o que é no fundo a qualidade arquitectónica?
A Qualidade arquitectónica só pode significar que sou tocado por uma obra.
Como se podem projectar coisas assim, que têm uma presença tão bela e natural que me tocam sempre de novo?

Existe um efeito recíproco entre as pessoas e as coisas. É com isto que me identifico como arquitecto. É isto a minha paixão. Existe uma magia no real. No entanto conheço bem a magia dos pensamentos. E a paixão dos pensamentos belos. Mas aqui estou a falar daquilo que muitas vezes acho ainda mais incrível: a magia do verdadeiro e do real.

Observo-me a mim próprio e conto-vos em nove mini-capítulos o que encontrei, o que me move quando tento criar esta atmosfera nas minhas casas. É evidente que as respostas são muito pessoais, não tenho outras.

 

“O corpo da arquitectura
A presença material dos objectos de uma arquitectura, da construção.
O que considero o primeiro e maior segredo da arquitectura, é que consegue juntar as coisas do mundo, os materiais do mundo e criar este espaço. Porque para mim é como uma anatomia. Tal como nós temos o nosso corpo com uma anatomia e coisas que não se vêem, uma pele...etc.  Assim funciona a também a arquitectura e assim tento pensá-la.

Atmosferas, a magia do real – Peter Zumthor, Entornos arquitectónicos - As coisas que me rodeiam, GG, Barcelona, 2006 – na capa: Hans Baumegarten, residência de estudantes na Clausiusstrasse. Zurique, Suíça, 1936

 

“A consonância dos materiais
Colocamos coisas de forma concreta, primeiro mentalmente, depois na realidade, e
vemos como reagem umas com as outras! Os materiais soam em conjunto e irradiam, e é desta composição que sai algo único. Existe uma proximidade crítica entre os materiais que depende dos próprios materiais de do seu peso.

O Corpo da arquitectura, Capela de S. Bento, desenhos: planta e corte

 

“O som do espaço
Oiçam! Cada espaço funciona como um instrumento grande, colecciona, amplia  e transmite os sons. Isto tem a ver com a sua forma, com a superfície dos materiais e com  a maneira como estão fixos. O som do espaço, o que primeiro me vem à cabeça são os sons de quando era criança, os barulhos da minha mãe a trabalhar na cozinha. Estes sempre me fizeram feliz. Acho muito bonito construir edifício e pensá-lo a partir do silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que é difícil, porque o nosso mundo é tão barulhento.

Consonância. Peter Zumthor, Pormenor: extensão da Casa Gugalun, Versam, Suíça

 

“A temperatura do espaço
Acredito que cada edifício tem uma certa temperatura. O facto de que os materiais retiram mais ou menos do nosso calor corporal é conhecido. Mas ao falar disto ocorre-me a palavra temperar. É semelhante a temperar pianos, ou seja, encontrar o ambiente certo. No sentido literal e figurativo. Quer dizer que a temperatura é física e provavelmente também psíquica. O que vejo, o que sinto, o que toco, ... mesmo com os pés.

O som do espaço - Peter Zumthor, termas de Vals, Graübunden, Suíça, 1996

 

“As coisas que me rodeiam
Acontece-me sempre que entro em edifícios, nas salas de alguém, amigos, conhecidos ou pessoas que não conheço, ficar impressionado com as coisas que eles têm no seu espaço de habitar ou de trabalhar. E, às vezes, não sei se conhecem esta sensação, constato uma forte relação, e amor, e cuidado, onde algo conjuga.
Perguntei-me se terá sido tarefa da arquitectura criar o invólucro para receber estes objectos?

A temperatura do espaço, Peter  Zumthor, Museu de Bregenz, Austria, 1990-97

 

“Entre a serenidade e a sedução
Isto tem a ver com o facto de nós nos movimentarmos dentro da arquitectura.
Ou seja, imagino como nos movimentamos neste edifício, e aí vejo os pólos de tensão com os quais gosto de trabalhar. Por exemplo, um corredor de hospital: condução. Mas existe também o seduzir (...). Espaços - aqui estou, eles começam a reter-me espacialmente, não estou de passagem. Estou bem aqui, mas neste momento ao virar a esquina, há algo que desperta a minha atenção, a luz que entra de certa maneira (...) E assim me encontro numa viagem de descoberta. Conduzir, seduzir. Largar, dar liberdade.

As coisas que me rodeiam, pormenor de fotografia, Cândida Höffer

 

“A tensão entre interior e exterior
Na arquitectura retiramos um pedaço de globo terrestre e colocamo-lo numa pequena caixa. E de repente existe um interior e um exterior. Estar dentro e estar fora. Fantástico. E isto implica outras coisas igualmente fantásticas: soleiras, passagens, pequenos refúgios, passagens imperceptíveis entre interior e exterior, uma sensibilidade incrível para o lugar, uma sensibilidade incrível para a concentração repentina, quando este invólucro está de repente à nossa volta e nos reúne e segura, quer sejamos muitos ou apenas uma pessoa.

Serenidade e sedução, ponte em Itália

 

“Graus da intimidade
Não sei muito sobre este tema, como vão rapidamente reparar. Relaciona-se com a proximidade e a distância. Um arquitecto clássico diria escala. Mas isso soa muito académico (...). Conhecem aquela porta alta estreita onde toda a gente fica bem? Conhecem esta porta mais larga, sem interesse, deselegante? Conhecem os portais grandes e intimidadores, onde só quem os abre fica bem e orgulhoso? Ou seja, o tamanho, a massa e o peso das coisas. A porta fina e a porta grossa. O muro grosso e o muro fino.

Tensão interior exterior, Peter Zumthor, Sítio arqueológico romano, Welschdörfli, Suíça, 1985/6

 

“A luz sobre as coisas
Uma das ideias favoritas é a seguinte: pensar o edifício primeiro como uma massa de sombra e a seguir, como num processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade infiltrar-se. A segunda idéia preferida é colocar os materiais e superfícies, propositadamente à luz e observar como refletem.
Tenho de admitir que a luz do dia, a luz sobre as coisas me toca de uma forma quase espiritual. De manhã, quando o sol renasce – o que não deixo de admirar, é mesmo fantástico, volta todas as manhãs -  e ilumina as coisas, surge então esta luz que não parece vir deste mundo! Não percebo esta luz. Tenho a sensação de que existe algo maior, que eu não percebo. Estou muito contente, estou inteiramente grato que isto exista.

Graus de intimidade, Vicenzo Scamozzi, Villa Rocca, Pisana Itália, 1575

Em suma, admito que provavelmente tudo se relaciona um pouco com o amor. Amo a arquitectura, amo os espaços envolventes construídos e acho que amo quando as pessoas os amam também. Devo admitir que me daria muito gozo criar coisas que os outros amem.

A luz sobre as coisas, Peter Zumthor Museu em Kolumba, Colónia, Alemanha

A forma bonita. Encontro-a talvez em ícones, reconheço-a por vezes em naturezas mortas, que me ajudam a ver como algo encontrou a sua forma, mas também nas ferramentas do dia-a-dia, na literatura e nas peças musicais.

A forma bonita, Antonello da Messina, Anunciação, 1475-1476

 

Saiba mais sobre a exposição "Peter Zumthor: Edifícios e Projectos 1986-2007", integrada no «warm-up» da ExperimentaDesign Lisboa 2009


Peter Zumthor

Texto:

Atmosferas, Peter Zumthor
Entornos arquitectónicos - As coisas que me rodeiam, GG, Barcelona, 2006
“Atmosphere is my style” J.M.W. a John ruskin, 1844 (Palestra dada a 1 de Junho de 2003)

 

Imagens:

Peter Zumthor, Atmosferas, Gustavo Guli, Barcelona, 2006; a+u Architecture and Urbanism, february, 1998, Extra edition.

 

jnm

17.10.2008

 

 

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