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Leitura: "Textos para rezar"

Imagem Capa (det.) | D.R.

Leitura: "Textos para rezar"

A Editorial A.O. lançou recentemente o livro "Textos para rezar", do padre jesuíta Nuno Tovar de Lemos, com 24 textos do Evangelho, cada qual acompanhado por um comentário e uma oração.

O volume inclui a explicação de «termos menos óbvios que aparecem recorrentemente nos Evangelhos e uma série de mapas que ajudam a situar locais por onde Jesus andou», refere a nota de apresentação.

"O Batismo de Jesus", "O 1º Mandamento", "Os Lírios do Campo", "As Duas Casas", "Parábola do Semeador", "O Bom Samaritano", "Jesus e a Mulher Adúltera", "A Expulsão dos Vendilhões do Templo", "Seguir-Te-ei onde quer que fores" e "A cura do Cego de Betsaida" são alguns dos textos meditados pelo autor.

«Espero que não faça com este livro o que eu faço, por vezes, com livros semelhantes: ler os comentários e sugestões do autor saltando por cima dos textos bíblicos! Pelo contrário, leia os textos evangélicos como quem lê uma carta de amor: com tempo, de coração aberto, buscando o que vai nas entrelinhas e - sobretudo - tentando ver e imaginar Jesus a falar e a agir!», escreve Nuno Tovar de Lemos, na introdução.

A obra, de que apresentamos um excerto, pode ser usada «para a oração pessoal no dia a dia, como apoio a alguns dias de Exercícios Espirituais ou como material para grupos de partilha ou reflexão».

«Os meus comentários não são, evidentemente, a “explicação” ou, muito menos “a verdade” sobre o que os textos evangélicos querem dizer. São sugestões de interpretação que fazem sentido para mim e que a mim me ajudam. São apenas muletas. Se, lendo um texto, o Espírito Santo o/a começar a conduzir e a levar por outros caminhos largue as muletas e corra!», aponta o autor.

 

O Batismo de Jesus (Lc 3, 21-22): A consciência de se ser amado por Deus
Nuno Tovar de Lemos, s.j.
In "Textos para rezar"

«Todo o povo tinha sido batizado; tendo Jesus sido batizado também, e estando em oração, o Céu rasgou-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea, como uma pomba. E do Céu veio uma voz: "Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti pus todo o meu agrado".»

É impressionante pensar que quase tudo o que conhecemos de Jesus (a escolha dos apóstolos, as pregações, as curas, as viagens, etc.) se passou num período relativamente curto da sua vida, a chamada “vida pública”, que terá durado aproximadamente três anos (dos 30 e pouco que Jesus terá vivido). Antes foi aquilo que chamamos de “vida oculta”. O batismo de Jesus foi o acontecimento que fez a transição entre as duas fases da Sua vida. No rio Jordão, depois de ter sido batizado, Jesus teve uma experiência muito forte do amor de Deus Pai, uma experiência que deu início à sua “vida pública”:

«Do Céu veio uma voz: "Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti pus todo o meu agrado".»

Se queremos ser “cristãos”, a nossa vida nova tem de começar onde começou a de Jesus: na consciência de sermos pessoalmente amados por Deus. Ultimamente, termos fé (no sentido cristão) é - no fundo - precisamente isto: a certeza de sermos amados (por Deus) tal como somos e tal como estamos. Tudo o mais (os sacramentos, a doutrina, o trabalho na Igreja, a moral, o testemunho cristão no mundo, etc.) nasce daqui.

Quando pensamos numa relação de amor com alguém de quem gostamos muito normalmente vêm-nos à cabeça coisas que essa pessoa nos fez ou nos disse e que nos deixaram encantados... Mas quando pensamos na nossa relação de amor com Deus é normalmente ao contrário: o nosso pensamento vai para o que temos feito ou devemos fazer por Deus (se temos rezado ou não rezado, se temos ido à Missa, se temos sido caridosos, se temos feito ou evitado aquele pecado, etc.). Raramente pensamos no mais essencial: o que Deus tem feito por nós. Quase como se a iniciativa (na nossa relação com Deus) partisse de nós! É o nosso vício voluntarista aplicado à fé. Evidentemente que é muito importante refletirmos sobre o que temos feito ou devemos fazer por Deus. Mas isso vem em segundo lugar. Em primeiro lugar vem a consciência do amor de Deus por nós.

“Deus ama-me”. Tentando pôr este amor em linguagem humana, talvez o possamos desdobrar em três aspetos:

i) Deus gosta de mim. É o lado afetivo do amor. Há pessoas que gostam de nós. Por alguma razão misteriosa sentem-se atraídas por nós. Mudam planos para estar connosco, por exemplo. Mas ninguém gosta tanto de nós como Deus. Deu a vida por cada um de nós e voltaria a dar. Por que razão Deus gosta assim de nós? Será que gosta de nós por causa das nossas boas ações? Não, Deus não gosta mais de nós se nos “portarmos bem”. E não gosta menos de nós se pecarmos, tal como uma mãe não gosta menos do filho por ele se drogar. Se calhar até gosta mais...

ii) Deus cria-me. O amor de Deus é como o amor de um pai ou de uma mãe. O que significa uma mãe andar a criar um filho? Significa que lhe proporciona oportunidades de crescimento: põe-no no inglês, inscreve-o num campo de férias, dá-lhe uma mesada e responsabilidades, tem com ele uma conversa importante, etc. Com Deus é parecido. Ele não nos “criou” (no passado) mas “anda a criar” (no passado e no presente), tal como um pai ou uma mãe. E Deus cria-nos proporcionando-nos oportunidades de crescimento a partir das circunstâncias que a vida traz. No fim (mas mesmo só então) talvez possamos dizer que tudo o que nos acontece é ação criadora de Deus.

iii) Deus confia em mim. A confiança de Deus é uma confiança pessoal em nós. Como se Deus (que conhece o fundo de nós mesmos como mais ninguém) dissesse: “Eu conheço-te, sei que tu és uma pessoa boa e de confiança”. A fé que nos salva não é a que nós (eventualmente) tenhamos em Deus mas sim a que Deus tem em nós5. A nossa fé é apenas uma abertura a esta verdade. É assim que a nossa relação com Deus está completamente firme e segura para sempre, porque não está assente na nossa resposta (por vezes tão ingrata e hesitante) mas num amor e numa confiança totais e incondicionais. O amor divino.

O amor de Deus por nós é um amor prático que nos encaminha e faz crescer. Mas como é que Deus age?

Deus age de uma maneira única e especial. Age de modo diferente de todas as outras ações que conhecemos. Porque age “através de”, ou seja: por mediações. Por exemplo: através de uma pessoa que se cruza connosco, de um livro que nos vem ter às mãos, de um sacramento que recebemos, de um pensamento que temos, etc. E faz tudo isto sem controlar nada nem ninguém. Aliás, se controlasse não seria amor.

Deus pode agir através de coisas extraordinárias e difíceis de explicar mas habitualmente Deus age através de coisas simples e fáceis de explicar. O sinal de que Deus agiu não é essa ação ser algo extraordinário e inexplicável mas ser algo que nos fez crescer na fé, na esperança e na caridade. Todo o verdadeiro crescimento nestas “virtudes teologais” é um milagre. Se o amor de Deus não fizesse crescer, podia ser inexplicável mas não seria amor.

Assim, desta maneira, Deus entra discretamente nas nossas vidas, tão discretamente que até parece que não faz nada e que tudo depende só de nós! Mas entra realmente nas nossas vidas, como uma mão invisível que nos conduz para o Bem abrindo portas, dando força, inspirando propósitos e ideais, criando oportunidades, tirando obstáculos do caminho e dando a conhecer Jesus.

A história sagrada da relação de Deus connosco não acontece só nas igrejas, nas casas de retiros e nas peregrinações mas também por dentro da nossa história “profana”, dos acontecimentos do dia a dia. Deus cria-nos através da vida. Mas se é assim, temos de saber olhar os acontecimentos da nossa vida com outros olhos, com olhos de fé e discernimento. Diante de um acontecimento a pergunta certa é: “Será que Deus, com isto, me está a querer dar alguma graça de crescimento?”. Devemos fazer essa pergunta mesmo diante dos acontecimentos duros porque muitas vezes a ação de Deus não consiste em tirar-nos as dificuldades mas em fazer-nos crescer com elas.

A nossa vida cristã começa na consciência da sorte que temos por sermos assim amados por um Pai que Se ocupa pessoalmente de cada um de nós. É daqui, desta consciência, que nasce tudo o que nós possamos fazer de bom por Deus, pelos outros e pela nossa salvação.

 

Exercícios

1. Em que momentos do teu passado se “rasgaram os céus” e tu sentiste ou tiveste consciência do amor de Deus por ti? Recorda três momentos concretos e de que forma experimentaste esse amor.

2. Imagina e escreve uma carta de Deus para ti como Pai, contando como te tem criado ao longo dos anos, mesmo naquelas fases em que Ele parecia ausente.

3. Nesta fase da vida, como é que Deus te anda a criar? Lê os acontecimentos recentes da tua vida sob esta perspetiva.

 

Oração

O mais importante não é…
eu procurar-Te,
mas sim que Tu me procuras por todos os caminhos (Gen 3, 9);
eu chamar-Te pelo Teu nome,
mas sim que Tu tens o meu nome marcado na palma
da Tua mão (Is 49, 16);
eu gritar-Te quando nem palavras tenho,
mas sim que Tu entras suavemente
em mim com o Teu grito (Rom 8, 26);
eu ter projectos para Ti,
mas sim que Tu me convidas a caminhar contigo
em direcção ao futuro (Mc 1, 17);
eu compreender-Te,
mas sim que Tu me compreendes até
ao meu último segredo (1 Cor 13, 12);
eu falar de Ti com sabedoria,
mas sim que Tu vives em mim e Te exprimes
à Tua maneira (2 Cor 4, 10);
eu guardar-Te na minha caixa de segurança,
mas sim que eu sou como uma esponja
no fundo do Teu oceano (EE 335);
eu amar-Te com todo o meu coração e com todas as minhas forças,
mas sim que Tu me amas com todo o Teu coração
e com todas as Tuas forças (Jo 13, 1);
eu consolar-me e planificar,
mas sim que o Teu fogo arde dentro dos meus ossos (Jer 20, 9);
Porque, como é que eu seria capaz de procurar-Te, chamar-Te, amar-
-Te... se Tu não me procurasses, chamasses e me amasses primeiro?
(Benjamin Gonzalez Buelta, sj)

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

Publicado em 19.07.2016

 

Título: Textos para rezar
Autor: Nuno Tovar de Lemos, s.j.
Editora: Editorial A.O.
Páginas: 212
Preço: 12,00 €
ISBN: 978-972-39-0818-3

 

 
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A fé que nos salva não é a que nós (eventualmente) tenhamos em Deus mas sim a que Deus tem em nós5. A nossa fé é apenas uma abertura a esta verdade. É assim que a nossa relação com Deus está completamente firme e segura para sempre, porque não está assente na nossa resposta (por vezes tão ingrata e hesitante) mas num amor e numa confiança totais e incondicionais
Deus pode agir através de coisas extraordinárias e difíceis de explicar mas habitualmente Deus age através de coisas simples e fáceis de explicar. O sinal de que Deus agiu não é essa ação ser algo extraordinário e inexplicável mas ser algo que nos fez crescer na fé, na esperança e na caridade
A história sagrada da relação de Deus connosco não acontece só nas igrejas, nas casas de retiros e nas peregrinações mas também por dentro da nossa história “profana”, dos acontecimentos do dia a dia. Deus cria-nos através da vida. Mas se é assim, temos de saber olhar os acontecimentos da nossa vida com outros olhos, com olhos de fé e discernimento
Diante de um acontecimento a pergunta certa é: “Será que Deus, com isto, me está a querer dar alguma graça de crescimento?”. Devemos fazer essa pergunta mesmo diante dos acontecimentos duros porque muitas vezes a ação de Deus não consiste em tirar-nos as dificuldades mas em fazer-nos crescer com elas
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