Um mestre ensinou-me a sua arte de ícones, e deu-me o seu laboratório. As primeiras vezes que criei ícones tendia a acrescentar sinais e preencher espaço vazios, enquanto ele me diz «tira, é mais belo, mais simples». Desde então procuro simplificar, e uso este método em qualquer coisa que faço; mesmo quando escrevo esforço-me muito, as poucas palavras nascem depois de ter filtrado e podado as coisas inúteis.
Na sua vida, o mestre que me ensinou treinou-se na poda, como uma planta sabia que depois do botão há a flor, depois o fruto, depois a semente. Por isso tornou-se capaz de deixar as coisas antes que as coisas o deixassem, capaz de tirar para dar espaço a alguma coisa de novo que estava a nascer nele, a poesia.
Este treinamento para a poda tinha produzido nele os seus frutos, que eram a mansidão, a compaixão para todos os seres vivos, a aceitação serena dos inevitáveis sofrimentos e oposições, a capacidade de habitar o ser universal e todavia ser amigo do particular, do detalhe, rebento novo que nasce.
«Não leveis nem alforge, nem bastão, nem sandálias…»
Aprender a viver com leveza, não levando tudo atrás de nós, mas só o essencial, não deixando marcas mas o perfume do vento do Espírito.
Para subir é preciso ser-se leve, livre no andar, doce no estar, mexendo-se com destreza entre luz e escuridão; é preciso fabricar passagens onde há muros, abrir brechas nos obstáculos.
A vida pede-nos para dar espaço como o ar, de escorrer como a água, de tirar o folhelho como o fogo, de renovar-se como a terra, de deixar vir e passar continuamente em nós a vitalidade.
«A mulher esvaziou o frasco e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus. Alguns dos presentes, escandalizados, murmuravam entre eles: Porquê todo este desperdício de perfume?»
Gosto dos gestos corajosos e irregulares da mulher que esvazia o fraco do óleo, de Zaqueu que sobre à árvore, e de Pedro que se lança ao lago para chegar mais depressa à margem, este romper uma forma definida para abrir-se a uma outra.
Quando nos sentimos sufocar, usamos as poucas forças que temos para nos reequilibrarmos, mas o problema não é tanto encontrar um mínimo de estabilidade para viver, porque o equilíbrio é gélido, e tornar-se dono de si é pouca coisa. Hoje, o ponto é saber voltar à fonte da vida e coloca-la de novo em movimento, porque sem o cuidado e a proteção da fonte da vida não há aquele húmus-terra-atmosfera que propicia o florir.
O jardim deves cultiva-lo, limpá-lo, roçá-lo, mas antes de tudo corar, tirar, quer antes de semear quer durante o crescimento da planta. Podam-se as plantas para que o velho e aquilo que sufoca impeça os rebentos de apanhar luz e vida.
Podar, para os agricultores, é uma arte, porque te faz decidir sobre o futuro de uma planta, tens de decidir onde podar tendo em mente a situação presente e o seu futuro. Podar os ramos velhos que sufocam para permitir ao novo que nasça.
Podar é difícil porque adquirimos muitos hábitos, sentimos a necessidade de ir mais além, mas a nossa natureza resiste, não quer mudar a forma adquirida. O novo nasce do romper-podar as coisas e os gestos, o tempo e as palavras, para regenerar-se, porque a vida só amadurece quando aceita ser podada.