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Perante este dilema, o que sobressai?

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Perante este dilema, o que sobressai?

Desde que vi a primeira execução de um refém por parte dos jiadistas, para além do horror lógico que o ato provoca em qualquer ser humano, pensei muito na marcante imagem daquele holocausto pseudo-religioso. É que aquela imagem em concreto tinha sido arquitetada, construída, especificamente para mim, jornalista. A brutalidade da execução não visava a vítima mas sim o veículo da imagem junto da opinião pública mundial. A imagem apenas chegaria ao mundo se eu a divulgasse e só nesse sentido a morte do refém estaria justificada. Perante esta evidência, que fazer? A consciência e o código deontológico ditariam, de imediato, que não deveria divulgar a imagem. Estava perante um ato bárbaro, uma violência gratuita, mas que pela sua força brutal de sangue me obrigava a não virar a cara para o lado. Ou seja, divulgar a imagem colocava-me no papel de cúmplice de um assassino que apenas queria gerar medo no mundo e terror nas opiniões públicas. Mas, por outro lado, não divulgar a imagem de tanta barbárie impediria a divulgação de tais atrocidades por parte de um regime que não é apenas virtual ou cibernético, mas que existe e mata.

Perante este dilema, o que sobressai?
Os valores da democracia, da paz, da atitude civilizacional de um povo ou de um regime? Não, para mim sobressaiu o valor do sofrimento. Por alguma razão aquela imagem incomodou-me. Incomodou-me o sofrimento anterior à morte, que deve ter sido imenso e indescritível para as vítimas e para as famílias, e incomodou-me o sofrimento em si da morte por decapitação com uma faca. Que sentido tem o sofrimento inútil que na morte tem a sua consequência? Quando se trata de um sofrimento inconsequente, não tem sentido nenhum, nem mesmo aquele que os seus executores quiseram dar. No fundo, apenas estão a usar uma arma para intimidar. Essa arma chama-se medo. A morte em si poderia ter sido levada a cabo de outra forma qualquer mas não foi assim, a morte foi assustadora, injusta e aleatória. O sofrimento não foi redentor.

Eu, católico…
Eu, católico, posso ser acusado de fazer ostentação de um Cristo sofredor na cruz. No fundo, faço do meu estandarte uma imagem de sofrimento e de dor. Alguém que refém da cobiça e do pecado do Homem, também sofreu uma morte atroz. Bem certo que não foi às mãos dos jiadistas mas as mãos de há dois mil anos foram, de igual forma, assustadoras, injustas e aleatórias. E dessa imagem de morte fez-se a propagação da fé e da religião que tem em Deus, o pai de Jesus. A morte redentora de Cristo diverge da morte dos reféns às mãos dos jiadistas num ponto fulcral: a morte de Cristo, a crucificação é/foi um momento provisório. A consequência da paixão e do sangue redimiram o ato bárbaro da sentença de morte. O sofrimento não foi fim, mas meio. A morte não foi espetáculo, mas caminho. O erro da Humanidade, na perspetiva cristã, não foi matar Jesus, foi não aceitá-lo como Filho de Deus e salvador da alma humana.


Perante a imagem provisória de Cristo na Cruz construo a convicção profunda e a Fé que para além desse estertor há a Vida na sua máxima expressão, não apenas num Além "post mortem"mas num Além começado e construído neste mundo. Por essa razão, as imagens dos reféns decapitados me incomodaram. Elas não vão mudar o Mundo, elas vão apenas empobrecer a espécie humana. Talvez por essa razão tais imagens devam ser divulgadas para que ninguém esqueça do que a Humanidade é capaz no seu pior. Pela mesma razão que as imagens de Auschwitz, Buchenwald ou Bergen-Belsen já o fizeram no passado (não muito longínquo).

 

Paulo Nogueira
Jornalista
Publicado em 10.12.2014 | Atualizado em 18.04.2023

 

 
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Perante a imagem provisória de Cristo na Cruz construo a convicção profunda e a Fé que para além desse estertor há a Vida na sua máxima expressão, não apenas num Além "post mortem" mas num Além começado e construído neste mundo
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