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Leitura: "Padre Dâmaso Lambers, uma vida de doação"

Imagem Capa (det.) | D.R.

Leitura: "Padre Dâmaso Lambers, uma vida de doação"

Do Padre Dâmaso, muitos conhecem a voz que continua a marcar gerações aos microfones da Renascença, mas também são inúmeros aqueles que desconhecem a vida do sacerdote holandês de 85 anos que sonhava ser missionário em continentes longínquos, mas que se estabeleceu em Portugal há quase seis décadas.

A obra "Padre Dâmaso Lambers - Uma vida de doação", lançada este mês pela Paulinas Editora, em parceria com a Renascença, desvela, na primeira pessoa, não só a paixão pelas ondas hertzianas, como o contexto familiar, a vocação e o percurso pastoral realizado até hoje.

Da Segunda Guerra Mundial ao acompanhamento de reclusos, da proximidade solidária e espiritual com os pobres à Ação Católica, dos Cursilhos de Cristandade às Aldeias S.O.S., passando pela vida paroquial, o volume recorda as seis décadas de sacerdócio do padre Dâmaso, narrativa que é enriquecida por fotografias e testemunhos.

O livro, de que oferecemos um excerto, vai ser apresentado no auditório da Renascença, em Lisboa, a 29 de setembro, às 18h30, com intervenções de Isabel Figueiredo, coordenadora de conteúdos da emissora católica, cón. João Aguiar, presidente do Grupo Renascença (que assina a introdução), e irmã Eliete Duarte, diretora da Paulinas Editora.

 

Rádio Renascença
P. Dâmaso Lambers
In "Padre Dâmaso Lambers - Uma vida de doação"

Tudo começou com as visitas da imagem de Nossa Senhora de Fátima às paróquias de Lisboa, em 1959 e 1960, durante as quais eu era um dos pregadores, dado que estas visitas eram acompanhadas por uma missão paroquial. Foi assim que conheci a Paróquia de Nossa Senhora dos Mártires, e a sua basílica, no Chiado.

Quando lá chegámos, eu fiquei a fazer as pregações. Tive a honra e a felicidade de encontrar monsenhor Lopes da Cruz, de quem já tinha ouvido falar como o fundador da Rádio Renascença, nos anos 30. Recebeu-me com muita simpatia.

Em 1933, ele começou a publicar uma revista intitulada Renascença. E foi nessa publicação que teve a oportunidade de propor ao País a fundação de uma emissora católica.

Monsenhor Lopes da Cruz era uma pessoa muito especial. Simples ao máximo, provinciano, mas com muita espiritualidade. Ficámos muito amigos. Na verdade, era um homem maravilhoso. E foi ele que me mostrou os dois andares da Renascença.

No ano de 1960 as suas instalações ainda eram muito limitadas. O primeiro andar esquerdo tinha os diversos serviços administrativos e o segundo andar esquerdo tinha os estúdios. As emissões tinham música, desporto, informação e, de um modo especial, programação religiosa. O monsenhor mostrou-me tudo com um certo orgulho.

O que mais me tocou foi a sua simplicidade e o amor com que criou a rádio. Depois da I República, depois de tudo o que a Igreja tinha perdido, ele queria que a Renascença fosse a voz da Igreja, e naquele tempo era. E hoje, é-o suficientemente?

Ele disse-me muitas vezes: «Sabe, padre Dâmaso, por tudo o que vivemos e sofremos na I República, a Igreja necessitava de um porta-voz, a fim de ir ao encontro de tantos e tantos que a Igreja perdeu.» Hoje penso em quantos e quantos Jesus está a perder no presente...

Durante a minha permanência na Basílica dos Mártires tive diversos encontros com monsenhor Lopes da Cruz. Encontrámo-nos ainda algumas vezes depois da semana de pregação, em que falei duas vezes na rádio – uma sobre Nossa Senhora de Fátima e a outra sobre a missão que acompanhava as visitas da imagem a todas as paróquias de Lisboa.

Nesse tempo, o Terço era transmitido diariamente da Basílica dos Mártires, tal como a Missa aos domingos.

Aquele homem marcava a rádio. Passava ali todas as manhãs, era um pai, era o fundador, todos gostavam imenso dele. A Renascença tinha três ou quatro técnicos, cinco ou seis pessoas para as emissões. Havia os noticiários e alguns programas. O ambiente era formidável e a rádio era, realmente, a emissora católica.

Já não me lembro de tudo o que conversei com monsenhor Lopes da Cruz, em 1959, porque já passaram muitos anos e já me encontro numa idade em que se esquece muito. Mas de uma coisa não me esqueci: encontrei nele um homem com ideal e com amor pela criação da sua Rádio Renascença. Que este espírito de monsenhor Lopes da Cruz continue a animar as nossas emissões.

Alguém escreveu, um dia: «Nascida de uma vontade de ser uma rádio católica e, por isso mesmo, universal, a Rádio Renascença foi conseguindo chegar a um público muito vasto e variado, tendo sido considerada por especialistas internacionais um fenómeno comunicacional, dado o perfil da emissora.»

Entre 1962 e 1963, monsenhor Lopes da Cruz foi para Braga. Já estava velho e precisava de tratamento médico.

Voltei à Renascença em 1976. Alguém me veio dizer que me esperavam lá. Estou convencido de que o D. António Ribeiro estava por trás disto, mas não me quis dizer!

Eu comecei a intervir no programa da Liga dos Amigos da Rádio Renascença, no âmbito da qual fizemos muitos convívios. Falava três vezes por semana – aos domingos, para os doentes; uma vez por semana, para os reclusos; e uma outra, mais geral. Foi assim que comecei.

Tinha muito que fazer, porque já trabalhava na cadeia e pregava, de vez em quando, retiros a religiosos e sacerdotes, mas o D. António Ribeiro dizia sempre: «Não deixe a Renascença.»

Quando acabou o programa da Liga dos Amigos, comecei a fazer outras coisas. Falava 20 minutos às seis da tarde, antes do Terço, de segunda a sexta-feira, e tinha o apontamento «Meditando», à noite; mais tarde, fui responsável por uma intervenção a meio da madrugada – 2h30 –, tendo sido aí que fiquei com muitos ouvintes, e ainda hoje tenho gente simples, padres e bispos.

Continuo a gostar imenso deste trabalho, preparo-me seriamente para ele e procuro sempre coisas novas para dizer a quem me ouve. É tão importante falar de Jesus e de o fazer cada vez mais conhecido!

Uma das experiências de que mais gostei foram as madrugadas especiais de Natal e de Páscoa, com o Óscar Daniel. Aquelas noites eram formidáveis. Numa noite de Natal, um juiz telefonou e disse-nos que se tinha separado da mulher pouco tempo antes, e pensava que ia ter uma noite terrível, mas não. Tinha tido uma noite extraordinária, graças a nós. Isto não se esquece. E recebemos muitas outras mensagens.

Portugal tinha um grande amor pela Renascença. Porquê? Porque era uma rádio mais espontânea, mais próxima das pessoas. A Renascença era diferente. Mas o País também era diferente.

A Renascença é o amor da minha vida! Há uns anos falava-se bastante dos jovens que solicitavam entrar na rádio, discutindo-se também o que devia ser sublinhado: ser bom radialista ou ser bom cristão. E a nossa resposta era sempre: o melhor é que sejam os dois! Hoje é tudo diferente, mas devemos continuar a ser uma rádio católica– isto é fundamental; quanto ao resto, devemos ter muita compreensão pelos que trabalham na emissora! Seria bom que o espíritoda Rádio Renascença, que tem como componente a presença de Jesus e do seu Evangelho, possa constituir uma inspiração contínua para todos quantos trabalham nela, e possa, igualmente, animar os nossos ouvintes.

A este respeito, quero contar uma pequena história. Nos anos 70, quando o António Sala solicitou entrar na Renascença, o assistente religioso da rádio não se opôs, e eu ainda menos, porque já o conhecia (foi por isso que ele falou comigo). Mas logo encontrei pessoas que me avisaram que o António não era católico! Coitados!...

Já conhecia o António desde os anos 60. Pelo menos duas vezes, foi à cadeia do Linhó cantar em festas que eu organizava para os reclusos.

Talvez não fosse católico quando pediu para entrar na Renascença, mas ele era cristão convicto. Ele era o que tenho tentado ser ao longo da minha vida: cristão, discípulo de Jesus! O António estava a viver a mesma fé, embora, talvez, numa outra Igreja; assim como eu e outros estavam a vivê-la na Igreja Católica. Esta emissora é católica, mas, como cristãos, respeitamos cada pessoa que o seja, mesmo numa outra Igreja! (...)

Aconteceu há mais ou menos 20 anos. Alguém – que tinha tido um lugar de relevo na sociedade – mandou a filha telefonar-me, para me convidar a visitá-lo. Disse-me ela que o Pai tinha necessidade de falar comigo. Fui! O senhor tinha cerca de 77 anos e estava cego. Só podia ouvir rádio, e escutava-me muitas vezes a falar de Deus e de Jesus. Tinha sido educado na I República, e em casa não se falava de Deus. Mais tarde, na universidade, também não ouviu falar dele. Nunca chegou a pensar nele mas, naquela visita, disse-me: «Eu sabia que havia algo mais na vida humana do que o simples dia a dia.» E porque me ouvia falar de Deus, já não podia esperar mais, queria viver em união com Ele. Ao todo, visitei-o duas ou três vezes. Depois faleceu. Pouco antes de morrer, falou-me da sua felicidade por ter encontrado Deus. Ele estava pronto para ir para Ele!...

Eu mesmo vivi intensamente este caso! É isto, também, a Rádio Renascença!

Há gente que precisa de Deus!

Mais uma história. Alguém me telefonou para a Renascença. Convidou-me a visitá-lo. Era um homem, tinha tido uma educação católica e praticado a religião durante muitos anos. Mas depois, já com o curso de advogado, foi convidado a entrar numa certa empresa. Aceitou, porque nessa altura andava à procura de trabalho. Não vou contar tudo, mas a certa altura deixou de praticar o cristianismo por certos motivos que não eram religiosos...

Agora encontrava-se com 72 anos e canceroso. Estava com muitos problemas de consciência – ele abandonou Jesus conscientemente –, e por isso convidou-me a visitá-lo. Posso dizer que se reconciliou com Deus e que, apesar da sua doença, ainda reencontrou a felicidade de vida e se entregou a Deus «de alma e coração»! Foi desta maneira que faleceu, talvez quatro ou cinco meses após o seu reencontro com Deus! O seu morrer foi cheio de paz, também graças à Rádio Renascença, como me disse!

Em 1982 fui nomeado «Coordenador da Assistência Religiosa Prisional», o que me fez viajar mais pelo País. Um dia, estava no Porto. À noite, reuni-me com visitadores voluntários prisionais e, a seguir, tomei um táxi de regresso ao hotel. O taxista começou a conversar comigo. De repente, virou-se para trás e perguntou: «O senhor é o padre Dâmaso?» Eu disse-lhe que sim. «Da Rádio Renascença?» «Sim», respondi. A seguir, pediu-me se podia parar o táxi por um momento. Concordei e fui sentar-me ao lado dele.

Ele já tinha pensado em ir a Lisboa, à minha procura, e agora eu estava sentado no seu táxi!... «Isto não é por acaso», realçou. Começámos a conversar. Quando cheguei ao hotel, perguntaram-me se me tinha perdido! Deitei-me tarde. Mas o taxista deve ter dormido bem naquela noite! Jesus é fantástico!

Por vezes sinto-me tão pequeno, porque Jesus é tão grande e utiliza, até, a Rádio Renascença!

Só conto estas histórias (tenho mais!) para que os jovens, e não só, pensem um pouco mais em Jesus. Ele está tão esquecido na nossa sociedade... Não é?

 

Edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 15.09.2015

 

Título: Padre Dâmaso Lambers - Uma vida de doação
Autor: P. Dâmaso Lambers
Editora: Paulinas
Páginas: 144
Preço: 10,00 €
ISBN: 978-989-673-481-7

 

 
Imagem Capa | D.R.
«Sabe, padre Dâmaso, por tudo o que vivemos e sofremos na I República, a Igreja necessitava de um porta-voz, a fim de ir ao encontro de tantos e tantos que a Igreja perdeu.» Hoje penso em quantos e quantos Jesus está a perder no presente...
Tinha muito que fazer, porque já trabalhava na cadeia e pregava, de vez em quando, retiros a religiosos e sacerdotes, mas o D. António Ribeiro dizia sempre: «Não deixe a Renascença»
Continuo a gostar imenso deste trabalho, preparo-me seriamente para ele e procuro sempre coisas novas para dizer a quem me ouve. É tão importante falar de Jesus e de o fazer cada vez mais conhecido!
Numa noite de Natal, um juiz telefonou e disse-nos que se tinha separado da mulher pouco tempo antes, e pensava que ia ter uma noite terrível, mas não. Tinha tido uma noite extraordinária, graças a nós. Isto não se esquece
A Renascença é o amor da minha vida! Há uns anos falava-se bastante dos jovens que solicitavam entrar na rádio, discutindo-se também o que devia ser sublinhado: ser bom radialista ou ser bom cristão. E a nossa resposta era sempre: o melhor é que sejam os dois!
E porque me ouvia falar de Deus, já não podia esperar mais, queria viver em união com Ele. Ao todo, visitei-o duas ou três vezes. Depois faleceu. Pouco antes de morrer, falou-me da sua felicidade por ter encontrado Deus. Ele estava pronto para ir para Ele!... Eu mesmo vivi intensamente este caso! É isto, também, a Rádio Renascença!
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