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Leitura: "Os tempos do coração"

Leitura: "Os tempos do coração"

Imagem Capa | D.R.

Um coração atento, aberto, em festa, compassivo, em conversão, cósmico, criativo...: são mais de 50 as breves meditações que a religiosa norte-americana Joan Chittister propõe neste novo livro publicado pela Paulinas Editora.

«Ao fazer uma peregrinação até ao coração, não começamos por nos debater com questões e injustiças a nível mundial; começamos por lutar com o amor que se esforça por irromper através das nossas próprias circunstâncias únicas. Reparamos com que facilidade o coração começa a fechar-se, reflexivamente, quando nós nos sentimos de alguma maneira ameaçados. Notamos que levar o amor aonde nos confrontamos com o ódio, como reza São Francisco, não é para os fracos de coração.

O resultado dos nossos esforços por encontrar plenamente a vida, porém, é que nós próprios nos tornamos o espaço através do qual o amor pode entrar no mundo. Só temos de fazer uma coisa: deixar que o coração nos chame a entrar de novo no amor», escreve Paula d'Arcy na introdução deste volume, de que apresentamos cinco excertos.



O conhecimento faz muito pouco pela vida. É a compaixão que a torna passível de ser vivida, é a compaixão que lhe transmite o tipo de visão que nos dá a todos uma razão para estarmos vivos



Um coração compassivo

É fácil ser religioso; difícil é ser espiritual. A vida religiosa requer que nós sejamos apenas para o outro; a vida espiritual requer que sejamos compassivos para com o outro.

Para sermos profundamente espirituais e completamente compassivos, devemos recordar que a pessoa necessitada é apenas outra versão de nós próprios, com a qual talvez ainda tenhamos de travar conhecimento na vida, mas que um dia se revelará.

O mundo não se cura a si próprio. Só um coração compassivo o pode fazer.

A compaixão lubrifica a astronomia da condição humana. Faz-nos entrar em contacto uns com os outros, revela a luz em cada um e dilata-a a ponto de o mundo brilhar com um novo tipo de compreensão, com um tipo melhor de comunidade humana.

O conhecimento faz muito pouco pela vida. É a compaixão que a torna passível de ser vivida, é a compaixão que lhe transmite o tipo de visão que nos dá a todos uma razão para estarmos vivos.



Todos nós somos propensos a desistir das coisas com excessiva rapidez. Desistimos quando as pessoas nos dizem que nunca conseguiremos. Desistimos quando nos cansamos. Desistimos quando não melhoramos. Estes critérios retardam grande parte do progresso humano



Nenhum de nós está aqui só para si próprio. Essa é a lição mais importante da vida. A compaixão, para ser real, deve ser uni versal, não seletiva. Eu não posso declarar que sou compassivo se deixo alguém fora das fronteiras da minha compaixão. Só se o meu coração for suficientemente grande e a minha visão suficientemente lata poderei alguma vez esperar ser maior do que a minha própria agendazinha pessoal. Então terei alguma coisa pela qual valerá a pena viver, dar-me, sofrer, para sempre. Então eu próprio serei um dom para o resto da humanidade.

 

Um coração resistente

Ensinava Catarina de Sena que «nada se fazia sem muita resistência». O problema é que todos nós somos propensos a desistir das coisas com excessiva rapidez. Desistimos quando as pessoas nos dizem que nunca conseguiremos. Desistimos quando nos cansamos. Desistimos quando não melhoramos. Estes critérios retardam grande parte do progresso humano. Pior do que isso, fatores desse tipo limitam o nosso próprio desenvolvimento.

Permanecendo numa situação difícil tentando resolvê-la, em vez de tentar fugir dela, damos a oportunidade a Deus de completar aquilo que essa experiência deveria realizar em nós. A sobrevivência é um subproduto da confiança. Quando nós tentamos abrir caminho através da vida, o esforço correspondente acaba por ser demasiado para nós. É aprendendo a repousar nos braços do Criador que nos faz passar através daquilo que, de outro modo, nos teria destruído.



Todos nós somos propensos a desistir das coisas com excessiva rapidez. Desistimos quando as pessoas nos dizem que nunca conseguiremos. Desistimos quando nos cansamos. Desistimos quando não melhoramos. Estes critérios retardam grande parte do progresso humano



Nenhum de nós está aqui só para si próprio. Essa é a lição mais importante da vida. A compaixão, para ser real, deve ser uni versal, não seletiva. Eu não posso declarar que sou compassivo se deixo alguém fora das fronteiras da minha compaixão. Só se o meu coração for suficientemente grande e a minha visão suficientemente lata poderei alguma vez esperar ser maior do que a minha própria agendazinha pessoal. Então terei alguma coisa pela qual valerá a pena viver, dar-me, sofrer, para sempre. Então eu próprio serei um dom para o resto da humanidade.

 

Um coração livre

Quando nós abdicamos do nosso direito de pensar por nós, perdemos a possibilidade de alguma vez chegarmos à plenitude da vida.

É tão fácil arvorarmo-nos em pensadores quando aquilo que realmente somos é consumidores do pensamento de outras pessoas – talvez do meu marido, do meu pároco ou da minha mãe, por exemplo. Quando copiamos as opiniões de outra pessoa, quando repetimos as ideias dos outros, quando não criticamos nada, quando não abrimos novos caminhos mentais sozinhos, quando aceitamos o mundo tal como é, não só estamos escravizados, mas também somos clones dos que vivem à nossa volta, fingindo ser humanos.



Às vezes, na vida, cada um de nós tem de defender a sua posição – tem de se arriscar a cair no ridículo, a suportar a oposição, a acreditar em coisas diferentes daquilo em que os outros acreditam



Usando a liberdade necessária para ser quem sou, para apresentar as minhas ideias em voz alta, ser suficientemente forte para me confrontar com as ideias dos outros, significa que nós reivindicamos o direito de contribuir para o objetivo e a riqueza da empresa humana.

Temos tanto medo de ser diferentes daqueles cuja companhia procuramos. No entanto, de que me serve estar com essas pessoas, se o meu verdadeiro eu nunca está verdadeiramente com elas? Então, tanto eu como elas somos privados de alguma coisa. Eu sou privado do direito de ser eu. Elas são privadas do direito de ser influenciadas por mim, tal como eu o sou de ser influenciado por elas.

Às vezes, na vida, cada um de nós tem de defender a sua posição – tem de se arriscar a cair no ridículo, a suportar a oposição, a acreditar em coisas diferentes daquilo em que os outros acreditam. E esse é, muitas vezes, um caminho muito solitário, percorrido apenas por aqueles que estão livres das seduções da aprovação humana. Contudo, esse é o tipo de liberdade – liberdade do próprio eu, liberdade pelo Evangelho – que muda tudo.



A beleza é uma experiência profundamente espiritual. Grita-nos sempre, dizendo: «Mais. Ainda há mais.» Nós não podemos esperar a plenitude da vida sem alimentar a plenitude da alma. Devemos procurar a beleza, estudar a beleza, rodear-nos de beleza. Para revivificarmos a alma, o mundo, devemos transformar-nos em beleza



Um coração focado na beleza

A beleza assume muitas formas. Tenho-as visto, com uma simplicidade desarmante e irresistivelmente convincentes, tanto em situações previsíveis como imprevisíveis. Vi uma mulher índia mexicana, que tinha perdido nove membros da sua família –assassinados nos montes de Chiapas –, de pé, diante da sua sepultura, com um bebé nos braços, de dentes cerrados, mas de olhar doce, e continuando aberta à vida. Foi maravilhoso.

Também observei filas e filas de operários italianos de pé, à espera, durante horas a fio, que as ténues luzes iluminassem de novo, por um momento precioso, o Moisés de Miguel Ângelo, na pequena e escura Basílica de São Pedro Acorrentado, em Roma. O assombro do olhar deles era tão belo como os tendões dos braços de mármore e as rótulas ossudas dos joelhos de Moisés, que se erguia sobranceiro a eles. Tanto eles como Moisés transbordavam de sentimento; ambos prenunciavam o tipo de energia que só pode brotar das profundezas do coração humano.

Certo dia postei-me, de mãos atrás das costas, a olhar de frente para "A fuga para o Egito"de Rembrandt, preto sobre preto sobre preto, com uma pequena luz a brilhar na escuridão do exílio. Era a beleza para lá da beleza, a visão de alguém que vira mais na confusão da fuga do que eu jamais imaginara que pudesse estar presente nela.



No fim do dia, descobrimos que a humildade – a força para separar o sentido que a vida tem para nós do sentido da vida segundo aquilo que fazemos – é a única resposta real para uma felicidade para toda a vida



A beleza é uma experiência profundamente espiritual. Grita-nos sempre, dizendo: «Mais. Ainda há mais.» Nós não podemos esperar a plenitude da vida sem alimentar a plenitude da alma. Devemos procurar a beleza, estudar a beleza, rodear-nos de beleza. Para revivificarmos a alma, o mundo, devemos transformar-nos em beleza.

 

Um coração humilde

No fim do dia, descobrimos que a humildade – a força para separar o sentido que a vida tem para nós do sentido da vida segundo aquilo que fazemos – é a única resposta real para uma felicidade para toda a vida.

A humildade é o cultivo da força necessária para admitir que estou errado, que não sei, que me equivoquei. Permite que uma pessoa comece de novo. O orgulho é fraqueza. Pretende ter o que eu não tenho... e expõe-me ao público que sabe mais do que isso.

O orgulho centra-se no exterior. A humildade brota de um poço interior.

A humildade recusa-se a usar uma máscara. A pessoa humilde sabe quem é e põe as outras pessoas de sobreaviso contra a tentação da presunção. O orgulho é o processo de nos enganar-mos a nós mesmos, de assumirmos uma postura falsa frente aos outros, de fingir que somos quem e aquilo que não somos. É o pior tipo de escravatura.



A humildade é o cume da liberdade interior. Não é prisioneira de nada nem de ninguém, nem sequer da própria autoimagem. Só os humildes são verdadeiramente felizes



Há um orgulho bom, que tem mais prazer na aspiração – no desejo – a praticar o bem e em fazê-lo bem, do que na sua realização pessoal. O orgulho bom não é tanto uma necessidade de acumular recompensas, mas o reconhecimento da diligência que me trouxe até este lugar. O verdadeiro humilde nunca cobiça o reconhecimento. Limita-se a aceitá-lo, se e quando ele chega, e não o toma demasiado a sério.

A humildade é o cume da liberdade interior. Não é prisioneira de nada nem de ninguém, nem sequer da própria autoimagem. Só os humildes são verdadeiramente felizes. Nada do que eles têm lhes pode ser arrebatado, e tudo o que eles têm, seja lá o que for, é devidamente apreciado por aquilo que é.



 

Publicado em 16.11.2016

 

Título: Os tempos do coração
Autor: Joan Chittister
Editora: Paulinas
Páginas: 120
Preço: 8,50 €
ISBN: 978-989-673-546-3

 

 
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