Entretecimentos e reenvios mútuos sucedem-se no disco que Vincente Dumestre, à cabeça dos agrupamentos Le Poème Harmonique e Capella Cracoviensis, dedicou a duas fulgurantes obras-primas sacras: os “Te Deum” de Jean-Baptiste Lully (1632-1687) e Marc-Antoine Charpentier (1643-1704).
O primeiro compositor, de origem florentina, chega a Paris aos 13 anos, para mais tarde ocupar lugares-chave no círculo artístico de Luís XIV, o “Rei Sol”, tornando-se um dos principais artífices do nascimento de um estilo musical “francês”.
O segundo, francês, que permaneceu à margem da vida da corte, foi o autor transalpino mais prolífico do tempo no âmbito sacro, e por seu lado levou a Versailles as bases da escola italiana que tinha aprendido durante a sua estadia em Roma e os estudos com Giacomo Carissimi.
O trabalho de Lully foi criado em 1677 para o nascimento do seu filho, mas com o patrocínio real em mente, já que o monarca foi o padrinho. A obra de Charpentier terá sido composta cerca do ano 1690 e foi executada para celebrar a vitória francesa em Steenkerque (1692), a última de Luís XIV.
Gravadas ao vivo, as obras apresentam-se com a exata intensidade de força e precisão. Os movimentos flúem sem oscilações, e Dumestre está particularmente atento a estas transições, de maneira que as mudanças não são demasiado radicais.
Nota positiva também para cantores, que interpretam os solos com facilidade e destreza, e para o coro, com as diferenças entre os grandes e pequenos “ensembles” a não serem tão exageradas como noutras gravações.
O disco não só apresenta uma boa comparação entre as duas obras contemporâneas, como também lhes concede a qualidade real que ambos os compositores deram ao hino de louvor.
Uma disputa à distância entre dois compositores que Dumestre joga aqui no campo neutro do “Te Deum”, o hino de ação de graças por excelência, que os criadores celebram com grandiosidade e magnificência sonora, refletindo ao mesmo tempo as características particulares das suas personalidades artísticas.
Mais solene o trabalho de Lully, maioritariamente luminoso e variado nas tessituras instrumentais o de Charpentier, cujo início se tornou a banda sonora das ligações da Eurovisão, uma glória infelizmente póstuma.
Fontes: Avvenire, Arkivmusic