Há anos que os mais atentos conhecedores do mundo repetem que estamos diante de uma mudança radical na difícil arte de transmitir à geração seguinte os princípios considerados fundamentais para enfrentar o duro mester de viver e de viver em sociedade. Não só porque ruíram as ideologias e os sistemas sociais em que se inspirava, mas sobretudo porque à habitual desconfiança que cada geração nutre pelo património de valores que a precedente tem a transmitir, se acrescentou a convicção de que não há sequer um património a receber: a cultura globalizada dominante parece afirmar que o mundo começa sempre do princípio, que a humanidade não possui pedras angulares partilháveis, que uma escolha equivale a outra e que amanhã se pode “abater” o que adquirimos hoje.
De resto, é significativo que à habitual e até desgastada pergunta dirigida às crianças - «que queres fazer quando fores grande» - a resposta já não consista numa ou noutra profissão, mas num cada vez mais maioritário e tragicamente uniforme: «Quero ter muito dinheiro para fazer o que me agrada».
Neste contexto, o que dizer às dezenas de milhares de jovens cristãos que se encontraram em Cracóvia, na Polónia, depois de uma impressionante série de massacres em todo o mundo, que culminaram, na Europa, com o brutal assassínio de um padre idoso da parte de dois dos seus coetâneos?
O que responder a quantos deles, diante do mal no mundo, se perguntam, como fez o papa Francisco em Auschwitz, «onde está Deus?». «Deus habita onde o fazemos entrar», responde um dito hassídico, e é uma verdade que para os cristãos tomou carne em Jesus de Nazaré, que veio para o meio dos seus e foi acolhido apenas pelos últimos. Por outro lado, a pergunta lancinante gera sempre uma outra, ainda mais decisiva para nós: «Onde está o homem?». Onde está a humanidade quando outros seres humanos a esmagam e a negam? Onde está o homem quando o grito do pobre é sufocado no sangue?
Aos jovens podem então sugerir-se algumas indicações de sentido ou, melhor, algumas pistas que eles próprios deverão transformar em caminho para uma plenitude de vida.
A primeira, talvez decisiva, é que, para além dos entusiasmantes encontros oceânicos, não existem «os jovens», existe cada um e cada uma deles e, junto a eles, aquela rede real e não virtual de relações humanas entretecidas entre coetâneos e não, semelhantes ou não. E que neste tecido – que podemos chamar sociedade ou comunidade humana – cada pessoa está aí, com a sua unicidade que, se não é inserida e protegida numa relação de solidariedade e comunhão, morre por asfixia. Cada um está aí com a própria responsabilidade, a capacidade de responder às solicitações que o outro lhe coloca, com a consciência de que de cada gesto, palavra, ação pode derivar a vida ou a morte de quem está ao lado.
A segunda indicação, à primeira vista dececionante, é que não é verdade que aos jovens pertence o futuro; eles não são «o futuro» da sociedade ou da Igreja: são parte ativa do presente que lhes pertence tanto como a todos. Cabe-lhe também fazer com que, a partir deste presente, se criem as condições para que cada um tenha a possibilidade de viver com dignidade, desde já e depois também no futuro.
Pensávamos que ao fazer isto poderíamos esquecer os grandes sistemas de pensamento, religiosos ou não, e refugiarmo-nos num quotidiano plasmável e “replasmável” à nosso bel-prazer, mas há anos que a violência aqui no Ocidente visa atingir o que dado como adquirido das nossas existências, os nossos pequenos ou grandes interesses pessoais.
Deve, por isso, ser recuperada a grandeza do estar juntos por livre escolha consciente, a difícil beleza da convivência estável, a duração das relações, a fidelidade que implica confiança, a vontade de edificar juntos a casa comum.
Não são compromissos só para os jovens, são desafios que aguardam todos e que de facto requerem uma forte fraternidade intergeracional: insistimos muito nas últimas décadas no valor da liberdade – isolando-o de qualquer outra instância ética e declinando-o como licença arbitrária privada de qualquer limite – e chegámos, assim, a deixar de saber o que fazer dele, porque esquecemos a igualdade vivida não como nivelamento por baixo mas como autêntica fraternidade, como ligame entre pessoas que não se escolheram mas que partilham a origem, a casa, o alimento e talvez até os sonhos e o futuro. Saberemos, adultos, idosos e jovens, recomeçar juntos a maravilhosa e exigente aventura da humanidade reconciliada?
Enzo Bianchi