Igreja e Cultura
Cultura e experiência espiritual
O que é mais importante (criar, manter, repensar) na relação da Igreja com a Cultura?
Ciência, tecnologia e economia, reais ou imaginadas, fornecem para muitos dos nossos contemporâneos a grande narrativa que sustenta sua confiança, esperança e compromisso. Sem confiança, esperança e empenhamento, os espíritos afundam-se em depressão e as sociedades deixam de funcionar. Todos os dias vemos as flutuações na confiança varrer milhões do valor das ações nas bolsas e abalar os fundamentos de governos. Às vezes a erosão da confiança conduz ao colapso de um regime. Neste contexto, a grande narrativa afirma que a ciência, a tecnologia e a magia económica responderão a seu tempo à maioria dos dilemas atuais e porão a nu as verdadeiras causas do sofrimento e da doença.
A realidade da condição humana, no entanto, é mais complexa. Uma avaliação serena da vida e do universo abre as portas para mais perguntas do que respostas. (…)
Face a calamidades naturais e à corrupção moral, famílias, clãs, nações e culturas tentaram escorar a sua confiança coletiva a fim de garantir a sobrevivência. Tanto a honra familiar, como o orgulho nacional, ou ideologias abstratas têm servido, ao longo dos tempos, para esse objetivo. Nada, no entanto, tem contribuído tão poderosa e criativamente para esse esforço como a “experiência espiritual”. Nascida do silêncio e da contemplação, está associada a uma perceção profunda da natureza última do universo, não muito distante da súbita intuição do cientista que se esforça por ir além da acumulação de dados e das hipóteses parcelares, ao encontro de uma teoria unificadora de algum aspeto da realidade. (...)
Existe outra dimensão da experiência espiritual, no entanto, que não deve ser esquecida. Para muitos, é a chave para uma verdadeira compreensão da realidade. Refiro-me à palavra do místico e do profeta. Ela testemunha uma inesperada irrupção da Raiz Última do ser, que enche a mente e o coração de felicidade. O momento é vivido como uma visitação divina, uma vocação pessoal e uma missão quase irrecusável. (...)
Como olha (...) a tradição judaica e cristã a evolução da ciência? Em certo sentido, os livros da Escritura e o livro da Natureza têm para nós um mesmo Autor. Por isso o progresso da ciência, ao aprofundar a nossa compreensão da razoabilidade do real, aproxima-nos de uma inteligência mais ampla e verdadeira do seu Criador. Mas com uma ressalva: só por si, o conhecimento - obtido quer pela Escritura quer pela Natureza - não traz maior bondade ou dignidade. Pois, para lá do conhecimento, está a liberdade; e a sabedoria para atuar livre e justamente nasce da humildade e do amor.
Este depoimento integra a edição de novembro de 2011 do "Observatório da Cultura" (n.º 16). Leia mais respostas à pergunta.
P. Peter Stilwell
Vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa
Excertos da intervenção nos TEDxEdges, Fundação Champalimaud, Lisboa, 1.10.2011
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17.11.11
Capela Árvore da Vida
Foto: Nelson Garrido