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O rico e o pobre Lázaro

Imagem Leandro Bassano | Det. | C. 1595

O rico e o pobre Lázaro

Depois da parábola do administrador injusto escutada no passado domingo, neste é proposta uma segunda parábola de Jesus sobre a utilização da riqueza (Lucas 16, 19-31): a do rico e do pobre Lázaro.

«Havia um homem rico, que vestia de púrpura e linho, que se banqueteava esplendidamente todos os dias.» Deste não se diz o nome, mas é definido pelo seu luxo e comportamento. Os ricos fazem-se ver, impor-se e ostentar: desde então até hoje não mudou nada, e quem pensa ser poderoso e rico, inclusive na Igreja, quer exibir os sinais do poder e ousa até afirmar que a púrpura é vestida para dar glória a Deus…

A outra dimensão com que os ricos, na antiguidade, se faziam ver era banquetear-se com ostentação. Para os outros homens a festa é uma ocasião rara, para os pobres é impossível, enquanto para os ricos é possível fazer festa todos os dias. Mas festejar o quê? Eles próprios e a sua situação privilegiada, sem nunca pensar na partilha.

Este rico, em particular, nunca tinha convidado os pobres, nunca se tinha dado conta do pobre presente à frente da sua porta, e por isso nunca tinha praticado aquela caridade que a própria Torá exigia. Qual é a doença mais profunda deste homem? É aquela que o papa Francisco, numa sua homilia matutina, definiu de mundanidade: a atitude de quem «está só com o próprio egoísmo, e portanto é incapaz de ver a realidade».

Junto ao rico mundano, à sua porta, está um outro homem, “atirado” para lá como uma coisa, coberto de chagas. Não é sequer um mendigo que pede comida, mas está abandonado diante da porta da casa do rico. Ninguém o vê nem se dá conta dele, só cães vagabundos, mais humanos que os seres humanos, passando junto dele lhe lambem as feridas.

Este pobre tem fome e desejava ao menos o que os comensais deixavam cair da mesa ou atiravam ao chão para os cães. A sua condição está entre as mais desesperadas a que podem chegar quantos estão no sofrimento. E todavia Jesus diz que ele, ao contrário do rico, tem, um nome: “‘El’azar”, Lázaro, isto é, “Deus vem em auxílio”, nome que exprime verdadeiramente quem é este pobre, um homem sobre o qual repousa a promessa de libertação da parte de Deus.

De qualquer modo, quer o rico quer o pobre partilham a condição humana, pelo que para ambos chega a hora da morte, que a todos reúne. Um salmo sapiencial apresenta um refrão significativo: «O homem no bem-estar não compreende, é como os animais que, ignorantes, vão para o matadouro» (cf. Salmo 48, 13.21).

O rico da parábola não recordava este salmo para dele extrair lições e também não recordava a exigência de justiça contida na Torá (cf. Êxodo 23, 11; Levítico 19, 10.15.18, etc.) nem as severas advertências dos profetas (cf. Isaías 58,7; Jeremias 22, 16, etc.). Consequentemente, era incapaz de responsabilidade para com o outro, de partilha.

Quando morre Lázaro, o seu nome mostra toda a sua verdade, porque o funeral do pobre (que talvez não tenha acontecido materialmente, dado que o terão lançado para uma vala comum) é oficiado pelos anjos, que o vêm tomar para o conduzir ao seio de Abraão. A vida de Lázaro não se dissolveu no nada, mas ele é levado ao Reino de Deus, onde se encontra o pai dos crentes, de quem ele é filho: aquele que foi “atirado” para a porta do rico, agora é elevado e participa no banquete de Abraão. O rico, por seu lado, tem uma sepultura como lhe convém, mas o texto é lacónico, nada diz sobre um seu eventual ingresso no Reino.

Surge então uma nova situação, em que os destinos dos dois homens são novamente divergentes, mas invertidos. O que era aparente na Terra, é desmentido, mostra-se como realidade efémera, enquanto eternas são as realidades invisíveis, e que depois da morte se impõem: o pobre encontra-se agora no seio de Abraão, onde estão os justos, o rico nos infernos. Na morte é imediatamente decidida a sorte eterna dos seres humanos, pré-anúncio do juízo final, e os dois caminhos percorridos durante a vida dão o resultado da bem-aventurança ou da maldição. A Lázaro é dada a comunhão com Deus, juntamente com todos aqueles que Deus justifica, enquanto ao rico espera como morada o inferno, isto é, a exclusão da relação com Deus: passa do ter demasiado ao não ter nada.

Nos sofrimentos do inferno, o rico ergue aos seus olhos e, «de longe», vê Abraão e Lázaro no seu seio, como um filho amado. Ele agora vive a mesma condição experimentada em vida pelo pobre, e está também na mesma posição: olha de baixo para o alto, à espera… Nada pôde levar consigo, os seus privilégios acabaram: ele que não escutava a súplica do pobre, agora deve suplicar; faz-se mendigo, gritando para Abraão, lançando três vezes o seu pedido de ajuda. Começa por exclamar: «Pai Abraão, tem piedade de mim», grito que durante a vida nunca tinha erguido a Deus, «e manda Lázaro molhar na água a ponta do dedo e a banhar-me a língua, porque estou torturado nesta chama». Pede, em resumo, que Lázaro realize um gesto de amor, que ele nunca fez para um necessitado.

Mas Abraão responde: «Filho, durante a tua vida recebeste os teus bens, enquanto Lázaro os seus males; agora ele é consolado, tu, ao contrário, és torturado». Uma maneira esquemática mas eficaz para exprimir como o comportamento vivido na Terra tem consequências precisas na vida para além da morte: o comportamento terreno é já o juízo, dele dependem a salvação ou a perdição eternas.

Assim a bem-aventurança dirigida por Jesus aos pobres e os “apuros” endereçados aos ricos realizam-se plenamente. Depois Abraão continua, servindo-se da imagem do «grande abismo», inultrapassável, que separa as duas situações e não permite deslocamentos de um para o outro “local”: a decisão é eterna e ninguém pode esperar mudá-la, mas joga-se no hoje…

Aqui a narrativa poderia acabar, mas em vez disso o texto muda de tom. Escutada a primeira resposta de Abraão, o rico retoma a sua invocação. Não podendo fazer nada por si, pensa nos seus familiares que ainda estão na Terra. Lázaro poderá ao menos ir ao seu encontro para avisar os seus cinco irmãos, admoestando-os com a ameaça daquele lugar de tormento, se viverem como o homem rico.

Mas uma vez mais, o “pai na fé” responde negativamente, recordando-lhe que Lázaro não poderia anunciar nada de novo, porque já Moisés e os profetas, isto é, a Sagrada Escritura, indicam bem o caminho da salvação. As Escrituras que contêm a Palavra de Deus dizem com clareza como os homens devem comportar-se na vida, são suficientes para a salvação. É preciso, no entanto, escutá-las, ou seja, obedecer-lhes, realizando concretamente aquilo que Deus quer.

Mas o rico não desiste e pela terceira vez dirige-se a Abraão: «Pai Abraão, se algum dos mortos for ter com os meus irmãos, eles serão levados à conversão». Abraão, com autoridade, encerra de uma vez por todas a discussão: «Se não ouvem Moisés e os profetas, nem sequer se alguém ressuscitar dos mortos os persuadirá». Palavras definitivas, todavia ainda hoje muitos cristãos têm dificuldade em acolher, porque estão convencidos de que as Escrituras não são suficientes, que acontecem milagres extraordinários para conduzir à fé.

Nós, os cristãos, devemos escutar as Escrituras para crer, também para crer na ressurreição de Jesus, como o Ressuscitado recordará aos Onze: «É preciso que se cumpram todas as cosias escritas sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos» (Lucas 24, 44). Ele próprio, de resto, pouco antes tinha disto aos dois discípulos a caminho de Emaús: «“Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?” E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito» (Lucas 24, 25-27).

Não é por acaso que também na profissão de fé o cristão confessa que «Cristo morre segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras» (1 Coríntios 15, 3-4). As Escrituras testemunham o que se cumpriu na vida e na morte de Jesus Cristo, testemunham a sua ressurreição. Se o cristão toma consciências das palavras de Jesus e escuta as Escrituras do Antigo Testamento, chega à fé na sua ressurreição.

Esta parábola sacode-nos, sacode sobretudo a nós que vivemos na abundância de uma sociedade opulenta, que sabe esconder tão bem os pobres, ao ponto de já não se dar conta da sua presença. Continua a haver mendigos nas ruas, mas nós desconfiamos da sua real miséria; há estrangeiros marginalizados e desprezados, mas nós sentimo-nos autorizados a não partilhar com eles os nossos bens. Devemos confessá-lo: os pobres são um embaraço para nós porque são «o sacramento do pecado do mundo» (Giovanni Moioli), são o sinal da nossa injustiça. E quando os pensamos como sinal-sacramento de Cristo, muitas vezes acabamos por lhes dar as migalhas, ou mesmo alguma ajuda, mas temo-los longe de nós.

No entanto, no dia do juízo descobriremos que Deus está do lado dos pobres, descobriremos que a eles era dirigida e bem-aventurança de Jesus, que repetimos talvez considerando-a dirigida a nós. Somos por último avisados a praticar a escuta do irmão necessitado que está diante de nós e a escuta das Escrituras, não um sem o outro: é no colocar em prática, aqui e agora, estas duas realidades estreitamente ligadas entre si que se joga já hoje o nosso juízo final.

 

Enzo Bianchi
In "Monastero di Bose"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 23.09.2016 | Atualizado em 20.04.2023

 

 
Imagem Leandro Bassano | Det. | C. 1595
Jesus diz que ele, ao contrário do rico, tem, um nome: “‘El’azar”, Lázaro, isto é, “Deus vem em auxílio”, nome que exprime verdadeiramente quem é este pobre, um homem sobre o qual repousa a promessa de libertação da parte de Deus
O que era aparente na Terra, é desmentido, mostra-se como realidade efémera, enquanto eternas são as realidades invisíveis, e que depois da morte se impõem
«Se não ouvem Moisés e os profetas, nem sequer se alguém ressuscitar dos mortos os persuadirá». Palavras definitivas, todavia ainda hoje muitos cristãos têm dificuldade em acolher, porque estão convencidos de que as Escrituras não são suficientes, que acontecem milagres extraordinários para conduzir à fé
Esta parábola sacode-nos, sacode sobretudo a nós que vivemos na abundância de uma sociedade opulenta, que sabe esconder tão bem os pobres, ao ponto de já não se dar conta da sua presença
Continua a haver mendigos nas ruas, mas nós desconfiamos da sua real miséria; há estrangeiros marginalizados e desprezados, mas nós sentimo-nos autorizados a não partilhar com eles os nossos bens. Devemos confessá-lo: os pobres são um embaraço para nós porque são «o sacramento do pecado do mundo»
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