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O fascínio das estrelas e a religiosidade

O fascínio das estrelas e a religiosidade

Imagem "Noite estrelada" (det.) | Van Gogh | 1889 | Museum of Modern Art, Nova Iorque, EUA

O céu estrelado já não nos surpreende, e no entanto parar e erguer o olhar numa noite escura e límpida é um gesto inscrito dentro de nós, sendo já comum aos homens das cavernas. Deixámos de "desejar", um verbo que não por acaso remete para as estrelas (do latim "de-sidera"). Mas não podemos passar sem ele porque sentimos fortemente a falta de algo maior do que nós. É por isso sugestivo o percurso traçado pelo italiano Marco Bersanelli, no livro "O grande espetáculo do céu - Oito visões do universo da antiguidade aos nossos dias" (Sperling & Kupfer, 288 pág.).

«É paradoxal: hoje a tecnologia permite-nos escrutinar as profundidades do universo a um nível inconcebível até há poucas décadas, e todavia esta é a primeira geração que perdeu o hábito de se expor à maravilha do céu estrelado», comenta o professor de astronomia e astrofísica.

 

Porque é que nos tornámos tão insensíveis?

Pesa sem dúvida um estilo de vida mais frenético. Enfraqueceu a contemplação da realidade, já não nos espantamos com o que nos rodeia. Parece-nos mais atraente o que produzimos, o virtual. E no entanto desde a sempre a beleza da natureza guiou o homem para a verdade e para o conhecimento profundo de si.

 

Os precursores dos "astrónomos" remontam à pré-história.

Sim, o homem de Cro-Magnon já era um habitual observador do céu: foram encontrados calendários lunares esculpidos em ossos de animais e grupos de estrelas pintados nas paredes, como nas grutas de Lascaux. Estamos a perder a atração de todas as culturas antigas perante a imensidão do cosmo. Um fascínio que se entrelaça com a religiosidade.

 

Uma curiosidade mística que se encontra inclusive entre os grandes cientistas, como Einstein: «Quero saber como Deus criou este mundo. Quero conhecer os seus pensamentos; tudo o resto são apenas detalhes».

Sim, é um dos seus muitos aforismos pungentes e significativos. O motor que está sob a paixão com que os cientistas se movem neste campo é poder revelar alguma coisa de uma ordem dada, que não fizemos e que existe antes de nós. Não é por acaso que a Igreja apoiou ativamente a astronomia, tanto que o Observatório do Vaticano é um dos mais antigos do mundo. Na tradição cristã a beleza da natureza, e do céu em particular, é o sinal por excelência da grandeza do Criador.

 

Uma beleza cantada de maneira "científica" também pelos escritores de cada tempo...

O caso de Dante é emblemático, ele que na descrição sublime do Paraíso antecipou uma intuição retomada apenas seis séculos depois: a hiperesfera. Ou Shakespeare, que no "Hamlet" cita aquela que para alguns investigadores é a "nova estrela" de Tycho, de 1572.

 

Encadeado pelo céu foi também um poeta descrito sempre como curvado sobre as suas cartas.

Giacomo Leopardi [1798-1837] tinha apenas 15 anos quando escreveu um tratado de história da astronomia, a «mais sublime, a mais nobre entre as ciências físicas». No cosmo segundo ele refletia-se a pergunta última do homem, sobre o significado da sua vida e do mundo, como no canto noturno de um pastor errante da Ásia. E, por outro lado, Leopardi compreendeu como no ser humano há qualquer coisa de maior do que todo o universo, que não pode ser reduzido a nenhuma medida. A razão reconhece que há acontecimentos que os números não podem explicar, como o nascimento de um bebé, perante o qual até mil milhões de anos-luz permanecerão sempre e só um número.

 

Causou furor a recente descoberta de sete pequenos planetas em torno da estrela Trappist-1.

Foi um clamor mediático excessivo. Alguns planetas já eram conhecidos e não é verdade que sejam comparáveis à Terra, tem apenas algumas grosseiras características semelhantes. A presença de água não é suficiente para dizer que são "habitáveis". E planetas extrasolares deste tipo foram já registados milhares. Quanto mais não seja, porém, esta notícia impeliu muitos a interrogar-se sobre o grande mistério do universo. Eu próprio enamorei-me desde miúdo por esses estudos, quando já é grande a curiosidade de saber o que está para além daquilo que se vê. É fundamental, também do ponto de vista educativo, aprender a deixar-se interrogar e surpreender pela realidade, mesmo apenas de um crescente da Lua. Foi este o segredo dos grandes artistas.

 

De Giotto a Gaudì não foram poucos aqueles que conseguiram retratar a respiração do universo.

A passagem do cometa Halley em 1301 espantou de tal maneira que Giotto o imortalizou na "Adoração dos magos" da capela dos Scrovegni, dando início à tradição da "estrela de Belém" como se fosse um cometa. E Gaudì inspirava-se sempre na sua arquitetura no movimento dos astros: na nave da Sagrada Família as colunas das árvores deixam entrever as estrelas. Há, contudo, uma obra na história da arte que, mais do que todas, "fala".

 

Qual?

É a famosa "Noite estrelada" de Van Gogh, que retrata as nebulosas no céu estrelado como Lord Rosse as viu pela primeira vez com o seu gigantesco telescópio. Desde sempre as estrelas remetem para o destino do homem. E também para o artista holandês permaneceram até ao fim o sinal de uma última esperança possível. Ao irmão confidenciou que «a esperança está nas estrelas» e explicou que as suas muitas figurações noturnas nascem de «uma necessidade tremenda de - usarei a palavra - religiosidade, por isso à noite saio e pinto as estrelas».



 

Antonio Giuliano
In "Avvenire"
Trad.: SNPC
Publicado em 06.06.2017

 

 
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