Saí nu do ventre da mamã há quarenta anos, nascido numa cabana de cinco metros por quatro, era de manhã. A parteira, ao tirar-me para fora, empalideceu ao ver as mãos e os pés com os dedos colados uns aos outros na mão direita e no pé esquerdo. A dúvida instala-se… o papá e a mamã, sem hesitar, dizem «SIM»: querem aquele primeiro filho, espantando-se com a dúvida da parteira.
Tinha doze anos, já havia passado por três operações para separar os dedos e torna-los úteis, até então o embaraço foi suportável, mas desde há alguns meses começava a esconder ainda mais a mão. É difícil aceitar a diversidade naquela idade. Depois, um dia de verão, uma jovem procura pegar-me pela mão, dou uma volta veloz em torno dela, como se tivesse a mão ocupada, para lhe oferecer a outra mão mais aceitável, mas ela repentinamente passa para o outro lado e agarra-me a mão direita: embaraço, vermelhidão, vontade de fuga e, depois, pela primeira vez, calor sem embaraço.
Estava no sexto ano, os avôs eram velhos, sós e pobres, muitas vezes, à noite, ia dormir a casa deles, lavava os pés ao meu avô, água, sabão e depois álcool. Era alto, com dois pés grandes para as minhas pequenas mãos. Ele, durante o dia, com uma carroça recolhia embalagens de cartão e papéis velhos para sobreviver. Recordo o mercado ao sábado, saía a correr da escola para o ajudar a procurar cartão, ficava vermelho quando os companheiros da escola passavam pela praça para o almoço e depois para irem brincar.
Pelos meus dezoito anos, estava a jogar no oratório; um dia, chega um padre novo, jovem, ao mesmo tempo duro e doce, com gestos e silêncios que levavam as coisas para mais longe. Comecei a falar com ele no seu estúdio desordenado e cheio de livros. Entre ele e eu sentado do outro lado da mesa havia pequenos vasos repletos de refugos de ferro, madeiras e pedras com as quais ele se entretinha enquanto falávamos.
Depois a vida de padre, os sucessos e as crises, o trabalho e a oração, as intuições e os sonhos. Um dia, encontro um monge que ria de nada e observava tudo. Entro na sua cela: há uma mesa para comer, um canto para trabalhar, por terra uma tela de juta e em cima dela um ícone e uma lamparina acesa. Um mundo em ordem em pouco e pobre espaço.
Está a acariciar uma pedra, expondo-a aos raios do Sol, à procura da luminosidade certa, passa-a pelas minhas mãos; dentro de uma fissura da pedra fundiu uma gota de ouro. Nesse momento olha-me e diz-me com um sorriso: «As feridas são demasiado preciosas».
Desde então muitas pedras passaram das suas mãos para as minhas, oferecendo-me de cada vez um fragmento do seu mundo.
Hoje estou aqui, em Romena, onde vem muita gente tocada por um desejo de espiritualidade, confusa entre fuga e sentimento, moda e autenticidade. À nossa volta um espiritualismo privado de conhecimento, de amor e de liberdade. Estas são as únicas realidades que tornam a espiritualidade caminho do absoluto, porque sem o conhecimento o amor transforma-se em fanatismo, sem o amor o conhecimento não é operativo, e sem liberdade torna-se opressora possessividade.
Obrigado, a quem no caminho me aproximou de uma espiritualidade que não era oásis de preguiça, fanatismo e possessividade, mas caminho respeitoso do absoluto.
Obrigado, ao sim à vida do papá e da mamã.
Obrigado, a quem, pela primeira vez me agarrou a mão dando-me calor, e não temor.
Obrigado, aos pés do meu avô, às humilhações dos cartões e dos papéis.
Obrigado, a quem me indicou o valor daquilo que é descartado.
Obrigado, a quem me indicou o todo no fragmento, o fragmento no todo, e o ouro nas feridas.
Talvez todos eles me tenham falado muitas vezes de Deus… peço desculpa se em vez de escutar as suas palavras, encontrei Deus nos seus gestos.