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Arte e espiritualidade: Natal é passar o umbral da esperança

Arte e espiritualidade: Natal é passar o umbral da esperança

Imagem Retábulo "Portinari" (det.) | Hugo van der Goes | Galeria Uffizi, Florença, Itália

Tira as sandálias S. José, no painel central do tríptico de Hugo van der Goes, dito de Portinari (c. 1475). Tira as sandálias porque o lugar em que está para entrar é sagrado. Como Moisés esteve diante da sarça-ardente, assim José está diante da Virgem Maria. Como a sarça ardia sem se consumir, assim a Virgem dá à luz sem que seja violada a sua virgindade.

A cabana de Belém é colocada entre as ruínas do palácio de David, de que se entrevê a coluna, mas mesmo atrás de Maria, atrás dos anjos azulados que oram adorando o Menino, há uma espécie de Porta Santa que, também nós, com S. José, somos convidados a passar. É a porta da cidade de David, sobre a qual encontramos a figura de uma harpa e, próxima, uma inscrição que recita um texto de Isaías: a Virgem que conceberá e dará à luz o Emanuel, o Deus connosco.



Imagem Retábulo "Portinari" (det.) | Hugo van der Goes | Galeria Uffizi, Florença, Itália

Os anjos marcam as fronteiras do acontecimento miraculoso, são 16, cada qual com uma função particular. Com efeito, celebram-se aqui as três Missas de Natal, antiquíssimas, com as quais se faz memória dos três nascimentos do Salvador: a sua geração misteriosa no seio do Pai; o seu nascimento na carne, no seio de Maria; o seu nascimento no coração de cada homem, como nos pastores.

Eis assim revelado o ofício dos anjos: aqueles que estão sobre a manjedoura são os anjos da Missa da noite, o canto do galo, e cantam o nascimento eterno do Verbo de Deus. Um deles está envolvido pela noite e recebe uma luz que vem do Menino Jesus; o outro está revestido com o pluvial de ouro, como nas solenes procissões do Santíssimo Sacramento. Nas celebrações da vigília, depois, o papa vestia uma capa de lã de cor escarlate, precisamente como S. José.



Imagem Retábulo "Portinari" (det.) | Hugo van der Goes | Galeria Uffizi, Florença, Itália

Os anjos em torno da Virgem e do Menino celebram a Missa da aurora, e com ela o nascimento de Cristo na humildade da carne. Dois vestem de branco, e um deles tem a estola de diácono, assinalando a natureza divina do Verbo, que veio para servir o ser humano. Outros dois, ao fundo, vestem um hábito azulado e algo modesto, indicando a natureza humana da segunda pessoa da Trindade.

Os anjos em primeiro plano têm vestes litúrgicas e ensinam o mistério da vida do nascituro. Ambos olham: o feixe de espigas, símbolo de Belém, cidade do pão, e do alimento eucarístico que a carne de Jesus se tornará para nós; os lírios de Sharon, vermelhos, símbolos da paixão e do sangue de Cristo, e os lírios brancos, símbolos da pureza e da divindade do Verbo.

A iris e a aquilégia representam as sete dores da Virgem, enquanto que os três cravos reenviam para a Trindade. As asas destes anjos têm em si a iridescência do céu de onde provêm, e um tem uma pluma de pavão adornada de olhos, significando a omnisciência divina que se manifesta do Menino Jesus.



Imagem Retábulo "Portinari" (det.) | Hugo van der Goes | Galeria Uffizi, Florença, Itália

A terceira Missa, do dia, celebra o nascimento de Cristo no coração dos crentes e no final dos tempos, quando Ele aparecerá no céu como um relâmpago. A este terceiro nascimento fazem referência os anjos que, chamando os pastores, voam sobre o cenário. Os seus hábitos quase monacais convidam os fiéis à vigilância e à sobriedade. Nos parapeitos das janelas estão vigilantes algumas pombas, símbolo da oração da Igreja no tempo da parusia.



Imagem Retábulo "Portinari" (det.) | Hugo van der Goes | Galeria Uffizi, Florença, Itália

A Virgem é de uma beleza extraordinária, no azul da noite resplandece de luz e de humanidade. O seu hábito retoma a cor púrpura da aquilégia, e portanto é já uma Mãe dolorosa, ainda que iluminada de suavidade e de candura pelo Menino Jesus, que tem por auréola a humilde palha, em manto de ouro.

O palácio decrépito de David é o teatro da grande misericórdia que Deus tem pelo ser humano. Está em ruínas, mas será reedificado pela fé de quantos acreditarem na promessa. Van der Goes, como o Jubileu da misericórdia, convida-nos a passar o umbral: Deus está aqui, entre nós, e pede que vivamos a nossa liturgia com os olhos novos da esperança.



Imagem Retábulo "Portinari" (det.) | Hugo van der Goes | Galeria Uffizi, Florença, Itália

 

Ir. Maria Gloria Riva
In "Avvenire"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 23.12.2015

 

 
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