«Os migrantes não são um perigo, mas estão em perigo», frisou hoje o papa, no Vaticano, durante um encontro com cerca de 500 crianças imigrantes, tendo evocado uma menina que morreu no mar ao tentar chegar a terra firme.

As palavras de Francisco foram proferidas durante o encontro com os passageiros do "Comboio das Crianças", iniciativa que o Conselho Pontifício da Cultura, através do Átrio dos Gentios, plataforma da Igreja católica para o diálogo entre crentes e não crentes, organizou pela quarta vez e que, como acontece desde sempre, culmina com o encontro com o papa.

A edição de 2016 foi dedicada aos pequenos migrantes que enfrentaram uma viagem à procura de esperança, bem como às crianças que os acolhem nas suas cidades, escolas e casas.

O tema escolhido foi "Levado pelas ondas", como aconteceu a um jovem nigeriano que deixou o seu país, com os pais, para fugir da guerra. Mas na viagem perdeu o pai e a mãe, numa das muitas tragédias do mar. O rapaz concluiu a travessia e foi parar a Lamezia, onde, numa comunidade para menores estrangeiros, encontrou uma outra família que o acolheu como um filho.

«Bom dia, papa», quero pedir-te «que rezes pela minha família que foi para o céu», e «pelos meus amigos», também eles «foram para o céu», «morreram na água», disse Sayende.

O comboio "Flecha de Prata", colocado à disposição pela companhia de caminhos de ferro estatal italiana, partiu às seis horas da madrugada de Vibo Valentia, na ponta sudoeste do país, e após uma breve paragem em Roma, onde subiu a bordo o presidente da companhia, chegou à estação da Cidade do Vaticano, onde o esperavam os cardeais Giuseppe Bertello, presidente do Governatorato do Estado, e Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício da Cultura.

Durante o encontro com as crianças refugiadas chegadas da Calábria, o papa mostrou-lhes o colete salva-vidas de uma menina morta no mar, que um voluntário ofereceu, entre lágrimas, a Francisco, na audiência geral desta quarta-feira.

«Este colete é dessa menina. Não quero entristecer-vos, mas vós sois corajosos e conheceis a verdade. Estão em perigo: tantos jovens, meninos, meninas, homens, mulheres, estão em perigo. Pensamos nesta menina? Como se chamava? Não sei: uma menina sem nome. Cada um de vós dê-lhe o nome que deseja, no seu coração. Ela está no céu, ela olha para nós», disse o papa.

O encontro foi introduzido pela leitura de uma carta, dirigida ao mundo, de crianças italianas que acolheram, na Calábria, pequenos migrantes: «Refletimos sobre todos aqueles adultos e crianças que deixam a sua terra por causa da guerra e das perseguições. Muitos não conseguem sequer atingir a meta por causa daquelas ondas que lhes deveriam garantir a salvação e que, pelo contrário, as traem e as levam à morte».

«Pensemos nelas e não conseguimos compreender como no mundo possam haver tantas injustiças. Prometemos acolher cada um que chegar ao nosso país, sem considerar quem tem uma cor de pele diferente, que fala uma língua diferente ou professa uma outra religião, um inimigo perigoso», referia a missiva.

Uma menina perguntou a Francisco o que significava para ele ser papa: o «bem que eu posso fazer», foi a resposta. «Mas eu sinto que Jesus me chamou para isto. Jesus quis que eu fosse cristão, e um cristão deve fazer isto. E o mesmo Jesus quis que eu fosse sacerdote, bispo, e um sacerdote e um bispo devem fazer isto. Sinto que Jesus me diz para fazer isto: isto é o que sinto», acrescentou.

As mãos de todas as crianças libertara centenas de balões brancos, evocando todas as crianças migrantes que nunca chegaram.