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Há uma voz que te chama no deserto: Aplana o coração, abate os muros, endireita os teus caminhos

Imagem João Batista (det.) | El Greco | C. 1600 | Fine Arts Museums of San Francisco, S. Francisco, EUA

Há uma voz que te chama no deserto: Aplana o coração, abate os muros, endireita os teus caminhos

No décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério, quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia, Herodes, tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da Traconítide, e Lisânias, tetrarca de Abilena, 2sob o pontificado de Anás e Caifás, a palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto.
Começou a percorrer toda a região do Jordão, pregando um batismo de penitência para remissão dos pecados, como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías:
«Uma voz clama no deserto: "Preparai o caminho do Senhor e endireitai as suas veredas. (...) Toda a criatura verá a salvação de Deus."» (Lucas 3, 1-6, Evangelho do 2.º Domingo do Advento)

Lucas dá início à narração da atividade pública de Jesus com uma página solene, quase majestosa, um longo elenco de reis e sacerdotes, que repentinamente sofre um desvio brusco: uma pedrinha do deserto cai dentro da engrenagem da História e muda-lhe o passo: a Palavra de Deus vem sobre João no deserto.

A Palavra, frágil e imensa, vem como o êxtase da História, de uma História que não se basta a si própria; injeta-lhe um êxtase que é como um sair de si, um erguer-se sobre a lógica do poder, um desviar-se dos caminhos costumeiros, longe das grandes capitais, dos reis e dos cortesãos, um perder-se no deserto. É o Deus que escolhe os pequeninos, que abate os poderosos, que faz dos pobres os príncipes do seu reino, é o Deus a quem basta um só homem que se deixe inflamar pela sua Palavra.

Quem conta na História? Herodes será recordado apenas porque tentou matar o Menino; Pilatos porque o condenou à morte. Na História conta verdadeiramente quem começa a pensar os pensamentos de Deus.

A Palavra de Deus vem sobre João, no deserto. Mas a Palavra de Deus continua a vir, está sempre em voo à procura de homens e mulheres onde depor o seu ninho, à procura de gente simples e verdadeira, que deseje tornar-se «sílaba do Verbo» (Turoldo). Porque ninguém é tão pequeno ou tão pecador, ninguém conta tão pouco que não possa tornar-se profeta do Senhor.

«Uma voz clama no deserto: "Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Sejam alteados todos os vales e abatidos os montes e as colinas; endireitem-se os caminhos tortuosos e aplanem-se as veredas escarpadas."»

A voz descreve uma paisagem áspera e difícil, que tem os traços duros e violentos da História: os montes intransponíveis são os muros que cortam em dois as cidades, casas e oliveiras; as veredas escarpadas são as trincheiras escavadas para se esconder do alvo, para melhor matar, para se isolar por medo... É também a nossa geografia interior, um mapa de feridas nunca curadas, de abandonos sofridos ou infligidos.  

O profeta, todavia, vê mais além, vê caminhos que correm direitos, montes abatidos e veredas aplanadas. Para a viagem nunca terminada do homem para o homem, do homem para o seu coração. E sobretudo de Deus para o homem.

Uma obra imponente e jubilosa, e a levá-la ao seu cumprimento será aquele que a iniciou. O êxito é certo, porque o profeta assegura: «Toda a criatura verá a salvação». Toda a criatura? Sim, exatamente isso: toda a criatura. Deus vem e não se deterá diante de veredas ou montes, nem diante do meu tortuoso coração. Chegará a cada ser humano, depositar-lhe-á a sua Palavra no ventre, força de parto de um mundo novo e feliz, onde tudo o que é humano encontre eco no coração de Deus.

 

Ermes Ronchi
In "Avvenire"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 05.12.2015

 

 
Imagem João Batista (det.) | El Greco | C. 1600 | Fine Arts Museums of San Francisco, S. Francisco, EUA
A Palavra de Deus vem sobre João, no deserto. Mas a Palavra de Deus continua a vir, está sempre em voo à procura de homens e mulheres onde depor o seu ninho, à procura de gente simples e verdadeira, que deseje tornar-se «sílaba do Verbo»
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