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«Há sempre tempo para mudar», diz papa, que critica pobreza, sistema económico e exploração dos trabalhadores

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«Há sempre tempo para mudar», diz papa, que critica pobreza, sistema económico e exploração dos trabalhadores

«Há sempre tempo para mudar» o modo como ordenamos a sociedade e nos tratamos mutuamente, afirmou o papa Francisco aos habitantes do México, ao apelar sete vezes à «conversão» na homilia da missa em Cidade Juárez, junto à fronteira com os EUA, no último dia da sua visita ao país da América Latina.

A sua insistência na necessidade de conversão e mudança foi o tema principal das suas intervenções ao longo da visita de seis dias ao México, mas foi particularmente incisiva no último dia. Foi o elo que ligou as palavras que dirigiu aos três mil prisioneiros da prisão de El Cereso, ao milhar de homens de negócios e líderes operários no Colegio de Bachilleres e na homilia da missa, participada por mais de 200 mil pessoas –uma homilia que também teve uma mensagem para o outro lado da fronteira.

Antes da eucaristia, Francisco percorreu uma passadeira com quatro metros de altura no termo da qual foi fixada uma cruz negra, junto à rede de arame farpado que separa os dois países e próxima do altar onde depois presidiu à missa. Comovido, o papa depôs uma coroa de flores e ficou alguns momentos em oração pelas pessoas que perderam a vida ao tentar passar clandestinamente para os EUA. Do outro lado da fronteira, milhares de pessoas assistiram à celebração, incluindo vários bispos, sentados junto à barreira metálica.

Na homilia da missa, Francisco propôs uma comparação entre o modo como as pessoas viviam na cidade bíblica de Nínive e a forma como se vive hoje no México. Nínive, afirmou, «estava a autodestruir-se em consequência da opressão e degradação, da violência e injustiça», e «tinha os dias contados, pois não era mais tolerável a violência nela gerada». Mas Deus não quis destruir a cidade e na sua misericórdia enviou o profeta Jonas para ajudar os seus habitantes a compreender que a destruição certamente ocorreria se continuassem com o coração endurecido.

Francisco recordou que Deus disse a Jonas: «Vai e anuncia que eles se habituaram de tal maneira à degradação, que perderam a sensibilidade perante o sofrimento. Vai e diz-lhes que a injustiça se apoderou do seu olhar»; «por isso, Jonas parte; Deus envia-o para pôr em evidência o que estava a acontecer; envia-o para despertar um povo inebriado de si mesmo».

Nesta narrativa contempla-se «o mistério» da misericórdia de Deus, que «rejeita sempre o mal» mas toma «muito a sério o ser humano» e continuamente «faz apelo à bondade adormecida, anestesiada, de cada pessoa». Deus não quer a aniquilação, porque a sua «misericórdia aproxima-se de cada situação para a transformar a partir de dentro».

Por isso, prosseguiu o papa, «há sempre a possibilidade de mudar»: «Estamos a tempo de reagir e transformar, modificar e alterar, converter aquilo que nos está a destruir como povo, o que nos está a degradar como humanidade».

Descrevendo as migrações como «tragédia humana» que se tornou «um fenómeno global», Francisco recordou que os migrantes «são irmãos e irmãs que partem, forçados pela pobreza e a violência, pelo narcotráfico e o crime organizado».

«À pobreza que já sofrem, vem juntar-se o sofrimento destas formas de violência. Uma injustiça que se radicaliza ainda mais contra os jovens: como “carne de canhão”, eles vêem-se perseguidos e ameaçados quando tentam sair da espiral de violência e do inferno das drogas. E o que dizer de tantas mulheres que foram injustamente roubadas das suas vidas».

Depois de descrever esta realidade, o papa pediu aos fiéis para rezarem a Deus «pelo dom da conversão, o dom das lágrimas», escutando o «seu apelo no rosto sofredor de tantos homens e mulheres».

«Não mais morte nem exploração! Há sempre tempo para mudar, há sempre uma via de saída e uma oportunidade, é sempre tempo para implorar a misericórdia do Pai», vincou.

Afastando-se do discurso preparado, no fim da homilia, Francisco afirmou: «Gostaria de aproveitar a oportunidade deste momento para saudar os nossos irmãos e irmãs que nos estão a acompanhar do outro lado da fronteira e, especialmente, aqueles que estão reunidos no estádio da Universidade de El Paso, conhecido com “Sun Bowl”, sob a orientação do seu bispo, Mark Seitz. Graças à ajuda da tecnologia podemos rezar, cantar e celebrar juntos o amor misericordioso que o Senhor nos dá, o qual nenhuma fronteira nos pode impedir de partilhar. Obrigado, irmãos e irmãs de El Paso, por nos fazerem sentir uma única família e uma única comunidade cristã».

A homilia abordou igualmente o fenómeno da pobreza, a principal causa da maior parte das migrações do México e da América Central, questão que Francisco já tinha sinalizado no encontro anterior, com o «mundo do trabalho», em que chamou a atenção para a natureza disfuncional do sistema económico atual. O papa acentuou a necessidade crescente de «criar oportunidades de trabalho digno e verdadeiramente útil para a sociedade e sobretudo para os jovens».

«Um dos maiores flagelos a que estão expostos os vossos jovens é a falta de oportunidades de instrução e trabalho sustentável e rentável, que lhes permitam lançar-se na vida; isso gera em muitos casos situações de pobreza. E esta pobreza torna-se o terreno favorável para cair na espiral do narcotráfico e da violência», afirmou.

No discurso o papa criticou o facto de o «paradigma da utilidade económica» se ter imposto «como princípio das relações pessoais», ao mesmo tempo que «a mentalidade dominante pretende a maior quantidade possível de lucro, a todo o custo e imediatamente».

Esta conceção da vida «não só provoca a perda da dimensão ética das empresas, mas esquece também que o melhor investimento que se pode fazer é investir no povo, nas pessoas, nas suas famílias», pelo que «o melhor investimento é criar oportunidades».

Pelo contrário, realçou Francisco, «a mentalidade dominante coloca o fluxo de pessoas ao serviço do fluxo de capitais, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objetos que se usam e deitam fora».

«Deus pedirá contas aos esclavagistas dos nossos dias, e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais. O fluxo do capital não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas», declarou.

Mais adiante na intervenção, Francisco questionou: «Que mundo queremos deixar aos nossos filhos? Nisto, julgo que a grande maioria está de acordo. Eles são precisamente o nosso horizonte, são a nossa meta: por eles, hoje, devemos unir-nos e trabalhar. Se é sempre bom pensar no que gostaria de deixar aos meus filhos, também é uma boa medida pensar nos filhos dos outros».

«Sei que não é fácil viver de acordo num mundo cada vez mais competitivo, mas é pior deixar que o mundo competitivo acabe por determinar o destino dos povos. O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao serviço do bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, a isto chama-se exclusão», frisou o papa.

Francisco sobrevoa neste momento o oceano Atlântico, de regresso a Roma, onde deverá chegar pelas 13h45 (hora de Portugal continental).

 

Gerald O’Connell
In "América"
Com Rui Jorge Martins/SNPC
Publicado em 18.02.2016 | Atualizado em 24.04.2023

 

 
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«A mentalidade dominante coloca o fluxo de pessoas ao serviço do fluxo de capitais, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objetos que se usam e deitam fora»
«Deus pedirá contas aos esclavagistas dos nossos dias, e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais»
«Que mundo queremos deixar aos nossos filhos? Nisto, julgo que a grande maioria está de acordo. Eles são precisamente o nosso horizonte, são a nossa meta: por eles, hoje, devemos unir-nos e trabalhar. Se é sempre bom pensar no que gostaria de deixar aos meus filhos, também é uma boa medida pensar nos filhos dos outros»
«Sei que não é fácil viver de acordo num mundo cada vez mais competitivo, mas é pior deixar que o mundo competitivo acabe por determinar o destino dos povos. O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao serviço do bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, a isto chama-se exclusão»
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