Era um novembro de solidão e desesperação. Procura-me a mim mesmo no deserto. Compreendi que não se comunica com os outros se não se consegue o reencontro consigo próprio, não nos reencontramos a não ser que redimensionemos as coisas à nossa volta.
No meio da multidão queres engrandecer, subjugar, dominar. Em vez disso, a imensidão do deserto pesa de tal maneira sobre cada coisa, que te reencontras como és: um pobre.
Em cada um de nós há uma aspiração ao sobrenatural e à comunicação que não pode ser frustrada pelo compromisso com a comodidade.
Muitas vezes aconteceu-me sofrer passivamente o refutar com raiva os acontecimentos da vida, oscilando entre momentos de adaptação e outros de rebelião, sem perceber bem se a minha índole era uma ou outra.
Dei-me conta de que nos momentos de paz interior conseguia adaptar-me à vida sem rebelar-me.
Quanto me custou aprender a arte da adaptação! Quanto foi difícil compreender que nem sempre o adaptar-se é sofrer, mas é sobretudo a sabedoria de quem chega a adquirir a forma da realidade para a poder tocar toda, e alcançar assim uma plenitude humana que escancara a estrada a novos tempos.
«Não acrediteis que o Reino dos Céus esteja longe, lá em cima, sabe-se lá onde… o Reino dos Céus está na palma da vossa mão»: Cronin expressou assim, de maneira extraordinária, onde encontrar o ponto de partida, o centro.
Muitas são as aldrabices que nos afastam deste centro: uma é colocarmo-nos na dimensão do conhecer, do saber, do raciocinar, de tal maneira que nos enganamos sozinhos, separando-nos das coisas e deixando de as viver. Adão foi o primeiro a querer conhecer, mas depois quanto lhe custou reencontrar aquele paraíso perdido dentro de si.
O que é que fazes de um milagre, se depois não sabes amar? O que é que fazes do conhecer, se depois não sabes viver? O que é que fazes do poder sobre as coisas, se depois não sabes sequer governar-te a ti mesmo? Este nosso engano de partir do poder, dos entusiasmos fáceis, do espetacular, do conhecer, quando Deus, por seu lado, parte sempre de um pedaço de pão e da palma da tua mão.
Este nosso fugir da concretude da vida, do tomar a forma da vida, impede-nos de abraçar a força com a doçura, a sabedoria com a loucura. «É preciso ser-se forte para poder ser infinitamente doce, e ser sábio para permitir-se ser louco», diz a Ir. Madalena de Jesus.
Creio que é fácil distinguir aquela sã loucura de quem parece fora de si, da loucura verdadeira de quem se considera saudável. Basta ficar atento a três coisas.
A constância, tão diferente do entusiasmo passageiro e da instabilidade do herói ou do louco.
O realismo: os escribas e os fariseus diziam a Jesus que era um sonhador, e os apóstolos que estava fora de si. Eles, tão cheios de leis e de racionalidade, diziam que a sua criatividade e as suas intuições pareciam fora do mundo, sem realidade. Pelo contrário, Jesus era o mais realista, conseguia avaliar os riscos, as situações, pedindo a cada pessoa aquilo que podia dar, e não mais.
A audácia, que não se faz bloquear pelos medos, que não se contenta, que proporciona as forças àquilo que deve ser feito, mesmo quando estás só contra todos.