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Os ensinamentos de Jesus sobre a oração (1/2)

Jesus orava. Ele pertencia a um povo que sabia orar, o povo que criou o Livro dos Salmos e encontrou na prática de oração de Israel a norma que enformou a sua própria fé. A sua oração litúrgica era marcada por modos e formas da oração judaica do tempo, como era vivida na liturgia sinagogal e nas festas no Templo de Jerusalém: Salmos, recitação do Shema’Jisra’el [«Escuta, Israel! (O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças)», Deuteronómio 6, 4-5], Tefillah (oração principal recitada em cada ofício litúrgico), leitura da Torah [Pentateuco, cinco primeiros livros da Bíblia] e dos Profetas, etc.

É desta desta fonte que Jesus extraiu inspiração para a sua capacidade criativa. O Pai-nosso, por exemplo, apresenta afinidades evidentes com a Tefilllah e o Qaddish (antiga doxologia [hino de louvor], frequentemente usada no ofício litúrgico sinagogal; em particular, as palavras «seja santificado o teu nome, venha o teu Reino» (Mateus 6, 9-10; Lucas 11, 2) parecem adequar-se a uma normativa assim expressa no Talmude: «Uma bênção em que não vem mencionado o Nome divino não é uma bênção, e uma bênção que não contém a menção da realieza de Deus não é uma bênção» (Berakhot 40b).

Por outro lado, adquire grande relevo a oração pessoal de Jesus. O seu ministério público é, com efeito, intervalado por frequentes "retiros", sobretudo durante a noite ou de manhã cedo, para orar: em lugares desertos, afastado, sozinho, sobre o monte (cf. Mateus 14, 23; Marcos 1, 35; 6, 46; Lucas 5, 16; 9, 18.28), e em particular, «como de costume, para o Monte das Oliveiras» (Lucas 22, 39).

Lucas é o evangelista que insiste maioritariamente na oração de Jesus, ligando-a aos momentos salientes da sua vida e da sua missão: Jesus ora no momento do Batismo recebido de João (cf. Lucas 3, 21-22); ora antes de escolher os Doze (cf. Lucas 6, 12-13); ora na transfiguração (para Lucas, a transfiguração é um acontecimento estreitamente ligado à oração: cf. 9, 28-29); a oração é o espaço predisposto para a confissão de fé de Pedro (cf. Lucas 9, 18); da sua oração nasce o ensinamento sobre a própria oração dirigida aos discípulos (cf. Lucas 11, 1-4).

Antes da Paixão, Ele declara ter rezado por Pedro, para que a sua fé não desfaleça (cf. Lucas 22, 32); no Getsémani a sua oração é de uma especial intensidade (cf. Lucas 22, 39-46); por fim, Jesus reza sobre a cruz, invocando do Pai o perdão para os seus executores (cf. Lucas 23,34), e depois entregando confiadamente a sua alma nas suas mãos (cf. Lucas 23, 46; cf. Salmo 31, 6).

A oração de Jesus, pessoalíssima, dirige-se a Deus chamando-o «Papá», com o matiz de particular intimidade e familiaridade presente no termo aramaico Abba: esta é porta de acesso ao mistério da sua personalidade, toda sob o sinal da filiação em relação ao amado Pai. E a Jesus, que ora com insistência e perseverança, o Pai responde entrando com ele em diálogo: «Tu és meu Filho, eu hoje te gerei» (Salmo 2, 7; Carta aos Hebreus 1, 5); cf. Marcos 1, 11), palavras que encontram no hoje da ressurreição o seu cumprimento (cf. Atos 13, 32-33).

É a partir da sua experiência de oração que Jesus ensinou os seus discípulos a rezar, e fê-lo através de uma intervenção autorizada do ensinamento relativo à oração contido na Escritura e na tradição por Ele recebida. Por isso, é essencial à oração autêntica acolher os conselhos para a oração dados por Jesus aos discípulos e por eles escutados, conservados, entregues à comunidade cristã, e assim vividos pelos crentes até serem depositados como Escritura dos Evangelhos. Estas indicações continuam a constituir hoje as linhas espirituais e pastorais essenciais para a oração cristã.

Antes de examinarmos estas orientações mais de perto, recordamos que Jesus resumiu o seu ensinamento na oração do Pai-nosso, justamente definida como «compêndio de todo o Evangelho» (Tertuliano, A oração, I, 6). Na verdade, o Pai-nosso - entretecido nas suas versões de Mateus 6, 9-13 e Lucas 11, 2-4 - mais do que uma fórmula rígida, constitui uma síntese das indicações de Jesus espalhadas como sementes nos quatro Evangelhos; é um vestígio, uma matriz, um cânone capaz de recapitular o essencial da oração cristã.

 

1. Antes de rezar, reconcilia-te com o teu irmão (cf. Mateus 5, 23-24; Marcos 11, 25)

No preciso momento em que o cristão se dirige a Deus chamando-o Pai, deve estar consciente de que ele não profere sozinho esta invocação, mas exprime-a juntamente com os irmãos: diz «Pai», mas logo acrescenta «nosso». Ser guardião dos irmãos na fé e de todos os seres humanos é condição essencial para aceder à comunhão trinitária.

A reconciliação com o irmão e o amor que se estende até ao inimigo, até à vontade de fazer o bem a quem nos faz o mal (cf. Lucas 6, 27): eis a atitude que deve acompanhar o início de cada diálogo com o Senhor. Se se esquece este preliminar, depaupera-se gravemente a oração, até a malograr. O propósito da oração, que é a comunhão, é com efeito contradito pela situação de divisão e de ódio vivida pelo orante: como se pode pretender dialogar com Deus, que nos amou enquanto éramos inimigos, e de falar com Ele que não se vê, se não se sabe perdoar ou não se quer comunicar com o irmão que se vê (cf. 1 João 4, 20)?

Não é por acaso que o único pedido do Pai-nosso que Jesus comenta é: «Perdoai-nos os nossos pecados, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mateus 6,12), e fá-lo com palavras inequívocas: «Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas» (Mateus 6, 14-15).

 

2. Quando rezares, retira-te para o teu quarto (cf. Mateus 6, 6)

O crente vive a sua fé na comunidade, exprime-a na liturgia, oração de toda a Igreja, e deve orar juntamente com os outros irmãos e irmãs, fazendo da oração comum a melhor escola de oração pessoal. Não deve empreender um caminho novo e inédito, mas recebe da Igreja o cânone [regra] da oração: os Salmos, a leitura da Escritura, a intercessão, o Pai-nosso e o cume da própria oração, ou seja, a Eucaristia. A liturgia é, portanto, o ambiente vital em que se cresce na fé e na comunhão com o Senhor.

Todavia, a oração comum não é suficiente: ela precisa da interiorização, da gratuidade, quando os outros não estão fisicamente perto. Rezar na solidão, afastado, não é uma forma de individualismo, mas a possibilidade de encontrar Deus como filhos no segredo do coração, aceitando sobre si aquele olhar penetrante de Deus que conhece, vê, fala a cada pessoa de modo irrepetível e único.

O convite de Jesus a rezar «no segredo» não é apenas um antídoto à hipocrisia de quem reza para ser visto e admirado pelos outros (cf. Mateus 6, 5), mas indica um modo de diálogo amoroso e íntimo com Deus, face a face com o Invisível... Sim, a oração pessoal é a ocasião de se dirigir a Deus com liberdade, de acolher na passagem do tempo a sua Presença, se percecionar a sua aproximação, o seu estar à porta e bater (cf. Apocalipse 3, 20), o seu visitar-nos com solicitude. Um orante que se alimenta unicamente da oração comum arrisca-se a fazer dela apenas experiência de pertença ao grupo, se não uma espécie de exibição diante dos outros...

Hoje é precisamente a oração pessoal a ser maioritariamente negligenciada, e esta situação arrisca-se, a longo prazo, a esvaziar também a verdade da própria oração litúrgica. Se na pastoral muitos esforços são dedicados à iniciação litúrgica, infelizmente não são acompanhados por uma adequada transmissão da oração pessoal, que deveria ser ensinada desde a infância. Quem, efetivamente, não recebe desde pequeno uma iniciação à oração pessoal por parte dos pais ou dos educadores, dificilmente poderá alimentar-se dela na idade madura, de modo a fazer crescer a fé no Deus vivo, presente na existência quotidiana.

Surgem como um aviso ainda atual as palavras de Martin Buber: «Se crer em Deus significa poder falar dele na terceira pessoa, não creio em Deus. Se crer nele significa poder-lhe falar, então creio em Deus». Hoje os cristãos sabem falar de Deus; mas saberão também, como nas gerações cristãs passadas, falar com Deus?

 

Enzo Bianchi
In Perché pregare, come pregare, ed. San Paolo
Trad.: SNPC/rjm
22.05.14

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