Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

D. António Ferreira Gomes: Igreja tem de saber desvincular-se de culturas obsoletas que teimam em sobreviver

D. António Ferreira Gomes: Igreja tem de saber desvincular-se de culturas obsoletas que teimam em sobreviver

Imagem D. António Ferreira Gomes | © Fundação Spes

A Igreja deve ser capaz de se «desencarnar duma cultura, duma convivência, dum direito, duma sociedade, que se vão tornando obsoletos, mas que tantas vezes teimam em sobreviver-se e que para isso se agarram desesperadamente à "Igreja eterna", como se esta houvesse de viver e morrer com eles».

Estas são palavras proferidas em agosto de 1974, quatro meses após a revolução de 25 de abril de 1974, por D. António Ferreira Gomes (1906-1989), antigo bispo do Porto, em entrevista ao "Jornal de Notícias" e reproduzidas em novembro do mesmo ano pela "Lumen", revista da Conferência Episcopal Portuguesa.

O prelado, que neste domingo foi agraciado a título póstumo pelo presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada, refere-se na mesma entrevista à Carta Pastoral que o episcopado português publicou a 16 de julho de 1974.

«Diz-se na Carta Pastoral que a Igreja sofreu com os defeitos do regime deposto e que reconhece pesarem sobre ela responsabilidades por erros cometidos ou partilhados. Será isto a denúncia de que a Igreja (apesar de ter sofrido) adoptou uma atitude conformista e o seu silêncio mais não traduziu do que uma atitude de subordinação aos "erros cometidos"?», questionou.



«A via democrática é a única legítima e será aquela que livremente e eticamente promoverá a socialização; mas o tempo é o ingrediente necessário do processo democrático, como de tudo quanto merece ser feito e há de durar»



No mesmo número da "Lumen", D. António Ferreira Gomes assinava o artigo "Estamos hoje à altura dos acontecimentos", assinalando que «os bispos portugueses nas suas intervenções pastorais quer antes quer depois do 25 de Abril manifestaram-se bastante cautelosos, ou até medrosos. Eu queria perguntar: donde vem esse medo: da consciência da responsabilidade que têm de "guardas do depósito da fé", ou de consciência de falta de integração no povo?».

«Eu penso que nós não devíamos perguntar tanto pelo que foram as nossas faltas do passado, as deficiências, os silêncios. Penso que o que devíamos perguntar é se hoje, "hic et nunc" [aqui e agora], estamos à altura dos acontecimentos, interrogava o bispo, que em setembro de 1974, na mesma publicação, alertava: «A educação da democracia é difícil e longa».

Um ano depois, no jornal "Nova Terra", D. António Ferreira Gomes insistia: «A via democrática é a única legítima e será aquela que livremente e eticamente promoverá a socialização; mas o tempo é o ingrediente necessário do processo democrático, como de tudo quanto merece ser feito e há de durar».

Em setembro, no mesmo semanário, o prelado aludia à «pacífica revolução permanente do Evangelho, através das tumultuosas revoluções humanas», e acrescentava: «Nem um sim total e absoluto a estas nem tão pouco um não igualmente total e absoluto: quer elas sejam a francesa, a russa ou a chinesa».



«A distinção nítida entre a Igreja e o Estado não supõe que se viva de costas voltadas. Entre pessoas de bem pode haver, perfeitamente, uma compreensão. Se, realmente, o Estado põe em evidência os valores da liberdade, acho que estamos perfeitamente dentro da nossa função»



A 13 de outubro de 1976, o "Nova Terra" transcreve nova entrevista do bispo do Porto ao "Jornal de Notícias", em que comentava a atribuição da Ordem da Liberdade, que, no seu entender, não lhe impunha «obrigações nenhumas».

«Tenho de agradecer que se tenham lembrado de uma pessoa da Igreja - seja eu ou seja outra, não tenho méritos especiais, mas encontro-me numa situação de dar um testemunho. Realmente o que eu pensei foi o que estava em testemunho pela Igreja, pela liberdade de Igreja: naquela altura também em liberdade de pessoa e a liberdade do povo, do nosso povo», afirmou.

Na mesma conversa, D. António Ferreira Gomes recordava que «no passado, pessoas que se diziam muito da Igreja, muito católicas, violavam os princípios - os princípios da liberdade, da justiça social, do respeito das pessoas, enfim, tudo isso».

O prelado salientava também que «a distinção nítida entre a Igreja e o Estado não supõe que se viva de costas voltadas. Entre pessoas de bem pode haver, perfeitamente, uma compreensão. Se, realmente, o Estado põe em evidência os valores da liberdade, acho que estamos perfeitamente dentro da nossa função».



D. António Ferreira Gomes «foi, à sua maneira, um lutador pelas liberdades e pela justiça social, um precursor do que representa o 25 de Abril, mas além disso um filósofo, um teólogo, um homem da cultura, e o 25 de Abril é, e desde logo, liberdade de criação e cultura»



Este domingo, 43.º aniversário da revolução do 25 de Abril, Marcelo Rebelo de Sousa entregou as insígnias de D. António Ferreira Gomes ao seu sobrinho, José Ferreira Gomes.

Para o presidente da República, o prelado exerceu o magistério de bispo do Porto «com verdadeiro espírito cristão, numa interpretação vivida da doutrina social da Igreja, antecipando a evolução e as preocupações que se materializariam no Concílio Vaticano II, nomeadamente profundamente preocupado com a situação dos portugueses e de Portugal».

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou a «histórica carta» enviada pelo bispo ao então presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, depois das eleições presidenciais, que acabaria por ditar o seu afastamento do país.

Nomeado bispo do Porto a 13 de julho de 1952, D. António Ferreira Gomes saiu de Portugal a 24 de julho de 1959, aconselhado a retirar-se para férias, sendo depois proibido de regressar, impedimento que durou 10 anos.



«Recordá-lo a título póstumo, 28 anos depois de ter morrido e no dia 25 de abril, dia significativo para a liberdade em Portugal, é um testemunho de homenagem, de memória viva e de querer dar às novas gerações o exemplo daqueles que nos precederam no tempo»



«Foi há 45 anos que, regressado a Portugal, pela mão de Francisco Sá Carneiro, o senhor D. António Ferreira Gomes pronunciou a sua célebre homilia da paz, em que abordou a problemática da teologia da guerra, alimentando uma análise que viria a contribuir decisivamente para a "Revolução dos Cravos"», realçou o presidente da República

D. António Ferreira Gomes «foi, à sua maneira, um lutador pelas liberdades e pela justiça social, um precursor do que representa o 25 de Abril, mas além disso um filósofo, um teólogo, um homem da cultura, e o 25 de Abril é, e desde logo, liberdade de criação e cultura», acentuou Marcelo Rebelo de Sousa.

No entender do atual bispo do Porto, a condecoração reconhece «o mérito, a vida e o testemunho exemplar» de D. António Ferreira Gomes «nas diferentes vanguardas da missão», nomeadamente «campo da defesa intransigente da liberdade, dos valores humanos e da Doutrina Social da Igreja».

«Recordá-lo a título póstumo, 28 anos depois de ter morrido e no dia 25 de abril, dia significativo para a liberdade em Portugal, é um testemunho de homenagem, de memória viva e de querer dar às novas gerações o exemplo daqueles que nos precederam no tempo e continuam a desafiar-nos nos caminhos do futuro», frisou D. António Francisco dos Santos em declarações à agência Ecclesia.



 

SNPC
Fontes: Presidência da República, Ecclesia
Fonte:
Publicado em 26.04.2017

 

 
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Teologia e beleza
Impressão digital
Pedras angulares
Paisagens
Umbrais
Mais Cultura
Vídeos