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Cinema, vida, espiritualidade: Pastoral da Cultura entrevista vencedores dos prémios católicos no "CinéLatino"

Cinema, vida, espiritualidade: Pastoral da Cultura entrevista vencedores dos prémios católicos no "CinéLatino"

 




O CinéLatino (Rencontres Cinémas d’Amérique Latine de Toulouse) é um festival de cinema que desde a sua criação, em 1989, permite a muitos realizadores da América Latina apresentar os seus filmes, longas e curtas metragens, ficções e documentários ao público e crítica europeias.

Este ano, na 28ª edição do festival, tivemos a honra de participar no júri SIGNIS (Associação Católica Mundial para a Comunicação), que faz parte de numerosos outros prestigiosos festivais como Veneza ou San Sebastian, por exemplo. Os jurados avaliavam duas competições: melhor documentário de longa-metragem e curta-metragem de ficção.

Na primeira, a escolha recaiu no filme "Paciente", a segunda longa-metragem do realizador colombiano Jorge Caballero.

"Paciente" é um documentário de 70 minutos sobre uma mãe que acompanha as últimas semanas de vida da sua filha, que padece de cancro, na realidade kafkiana dos hospitais na Colômbia. O realizador nunca cai na piedade fácil nem no sentimentalismo.



Imagem "Paciente" | D.R.

Numa entrevista exclusiva para a Pastoral da Cultura, Jorge Caballero disse que queria que o ponto de vista da história fosse essencialmente o da mãe, Nubia, para mostrar a sua força interior ao acompanhar os cuidados da filha e ao mesmo tempo ter que lidar com a burocracia hospitalar na Colômbia. Por isso, o espetador identifica-se com ela, envolve-se na sua luta para manter-se o mais possível perto da filha. Nubia interioriza a sua dor e reza para que a sua filha melhore e para que as suas forças não a abandonem. Infelizmente, Leidy, a filha, não melhora e acaba por regressar cada vez mais fragilizada a casa. Nunca veremos o seu rosto, o que permite ao espetador concentrar-se totalmente na personagem principal, e viver o que ela vive: o desamparo perante as decisões do corpo médico; a impossibilidade de perceber claramente qual é o serviço adequado para um determinado tipo de análise; a deambulação pelos corredores, com uma perna coxa que a obriga a levar o dobro do tempo e a despender mais energia.

O realizador confidenciou-nos a sua metodologia de trabalho: um grupo reduzido de pessoas na produção, rodagem e montagem do filme; a “aura” que atravessa todo o processo desde o momento de filmar até as imagens finais; e deixar o filme falar, e deixá-lo ser o que tem que ser. Em determinados momentos o filme diz: “Por favor, fui feito de outra maneira, não me montes dessa forma, isso não tem nada a ver comigo, esta cena é diferente da minha natureza original".



Imagem "Paciente" | D.R.

Lidar com a morte de um próximo não é tarefa fácil, em particular nas sociedades que a preferem ignorar do que a integrar e dar a quem vai partir “o direito de partir e de morrer”, como disse Françoise Dolto no seu pequeno ensaio Parler de la mort.

Em "Paciente", quando informam Nubia que já não a nada a fazer para a filha melhorar, e por isso mais vale ela ir para casa, um dos enfermeiros diz-lhe: «Leve Leidy e seja muito positiva com ela. Ponha-se no seu lugar e fale-lhe das coisas que gostaria ouvir». Não sabemos se a mãe falou da morte com a filha, mas apesar de tudo essas palavras ajudam Nubia a interiorizar e a preparar o seu adeus a Leidy.

Para Jorge Caballero, "Paciente" é um filme que tem um anti-herói, porque os heróis clássicos lutam para restabelecer a ordem do caos que se instalou no princípio da história; aqui, o herói tem que lutar com imensa força contra a vida, somente porque é necessário e sem esperar nada em retorno.

"Paciente" é também um projeto transmédia, com uma versão para internet. O "webdocumentário" — que se pode consultar em: http://impaciente.pacientedoc.com/es/ — permite uma relação interativa com o espetador, uma vez que lhe dá a possibilidade de se pode colocar na pele de alguém que tem que lidar com o sistema hospitalar colombiano.



Imagem "Polski" | D.R.

Na competição das curtas-metragens de ficção, o júri Signis escolheu "Polski", realizado em Cuba por Rubén Rojas Cuauhtémoc, um jovem mexicano que fez os seus estudos na Escola Internacional de Cinema e Televisão.

"Polski" é a história de um jovem cubano, Yoemil, que recebe como única herança do pai que não chegou a conhecer, um velhíssimo carro “Polski”. Depois de inúmeras tentativas para o consertar, acaba por vendê-lo.

Com a duração de 22 minutos, o filme tem belíssimas imagens de Cuba que fogem ao folclore mas que nos mostram uma sociedade em plena mutação. Com muito humor, o filme apresenta o sonho de um “neto da revolução” que quer utilizar o bem herdado do pai, mas que por força maior acaba por se resignar e desfazer-se dele.



Imagem "Polski" | D.R.

"Polski" mostra, ao contrário da sociedade capitalista que deita fora e volta a comprar tudo novo, a tradição de consertar e reutilizar um bem, tradição cada vez mais em vias de desaparecer.

Segundo as palavras do jovem realizador, que também deu a sua primeira entrevista à Pastoral da Cultura depois de ter recebido o prémio, «os jovens cubanos de hoje estão a ser seduzidos por uma cultura que se baseia nas aparências, em vez de darem valor ao que se tem. Deviam aperceber-se de que o que realmente conta está ao seu alcance, isto é, uma amizade sincera, o amor da família, viver num bairro seguro e a sorte de estar junto ao mar».



Imagem "Polski" | D.R.

É interessante ver que em "Polski" a figura matriarcal é muito importante, é a avó paterna que lhe permite fazer o luto do pai e ajudá-lo a crescer para tornar-se adulto responsável (ao aceitar vender o carro e receber o seu primeiro dinheiro). Numa conversa entre os dois, o jovem diz-lhe, desesperado: «O meu pai só deixou porcarias na sua vida, e a última foi essa! (apontando para o velho carro)». Ao qual a avó responde: «Não, ele deixou uma coisa muito bonita. És tu». Palavras fundamentais que permitem a Yoemil sentir que a transmissão não passa pelo material mas pela filiação e pela consciência de pertença.

Rubén Rojas Cuauhtémoc acredita que «a avó representa um contrapeso que enriquece o choque de gerações. Ela é a imagem boa da “velha Cuba”: trabalho, dignidade e reconforto humano». O protagonista consegue ultrapassar a frustração que sente para com o pai porque, diz o realizador, «quando o ser humano aprende a perdoar os seus pais, aprende o bem e o mal».



Imagem "Polski" | D.R.

«Quando nos distanciamos do passado, da educação recebida, dos nossos pais, acabamos por ganhar consciência que eles são antes de tudo seres humanos, e não só podemos criar empatia com eles como também nos podemos conhecer a nós mesmos e apreender a viver como somos, evitando tornar-nos amargos com a vida», acrescentou.

E se através de "Paciente" Jorge Caballero nos diz que a representação da morte é sempre uma lição para a vida, Rubén Rojas Cuauhtémoc acredita que a busca de um pai que não se conheceu, a procura de respostas sobre quem somos e de onde vimos, tal como saber renunciar a coisas para podermos seguir em frente, são princípios espirituais inerentes ao ser humano. Palavras sábias dos nossos dois realizadores premiados. Ficaremos à espera das suas próximas obras.

 

Inês Gil
Grupo de Cinema do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Publicado em 18.04.2016

 

 

 
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