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Leitura: "Cantar a vida! - Homilias de um bispo de todos e para todos"

Imagem Capa (det.) | D.R.

Leitura: "Cantar a vida! - Homilias de um bispo de todos e para todos"

O livro "Cantar a vida!", recentemente publicado pela Paulinas Editora, é uma evocação que a diocese de Setúbal faz do seu primeiro bispo, D. Manuel Martins, por ocasião dos 40 anos da ordenação episcopal, que se assinalaram a 26 de outubro.

O lançamento do volume, que também coincide com as quatro décadas da diocese, a par da ordenação do novo bispo setubalense, D. José Ornelas Carvalho, ocorrida a 25 de outubro, tem na origem um conjunto de homilias manuscritas, em forma de tópicos, que depois eram desenvolvidas nas celebrações a que presidiu entre 1975 e 1998.

O projeto nasceu da vontade de D. Gilberto Reis, sucessor de D. Manuel Martins, hoje com 88 anos,  e antecessor do novo bispo, que confiou a um grupo de fiéis a seleção dos textos.

O coordenador de "Cantar a vida - Homilias de um bispo de todos e para todos", P. Marco Luís, explica que a obra «não foi vista ou revista pelo D. Manuel Martins, antes do dia da apresentação ao público».

«Aqui fica uma espécie de pedido de desculpas ao Autor, mas julgo que compreenderá o nosso coração de filhos que, nesta hora da sua vida, queriam ter a recordação das suas palavras vivas. Palavras cheias de Espírito e Verdade, geradas no amor e geradoras de esperança, que ainda hoje o serão para tantos, porque cantam a vida», acrescenta.

No prefácio, D. Gilberto Reis acentua que as homilias revelam «um bispo, semeador incansável da Palavra de Deus, em todas as situações e lugares, e de o fazer em ligação forte com a vida, denunciando e abrindo caminhos de esperança, mesmo contra a corrente e sem medo. Um bispo que com a sua vida dá autoridade àquilo que diz e que, assim ele mesmo se torna palavra viva».

Natal, Dia da Paz, Cinzas, Domingo de Ramos. Quinta-feira Santa, Páscoa, Pentecostes, Corpo de Deus, Cristo Rei, Nossa Senhora e Papa João Paulo II constituem as divisões do volume, que termina com quatro textos autobiográficos.

 

Homilia de Natal
D. Manuel Martins

1. Neste dia e neste lugar, um ato de fé em Cristo Salvador, o «Filho do Homem», porque mergulhado totalmente na natureza humana cuja sorte partilha – o Filho de Deus, gerado desde toda a eternidade no amor do Pai e do Espírito e manifestando-se hoje ao mundo na única Pessoa do Verbo.

Acreditar é dar crédito. Dar crédito a Deus que, para todas estas maravilhas, nos preparou e as quais finalmente nos revela em Jesus Cristo.

«O Senhor descobre o Seu santo braço à vista de todas as nações e todos os confins da terra verão a Salvação do nosso Deus.»

«Deus… nestes tempos, falou-nos por seu Filho… pelo qual também criou os mundos.» «A Deus, ninguém jamais O viu. Um Deus, Filho único, que está no seio do Pai e que O deu a conhecer.»

É nesta fé que proclamamos jubilosamente com toda a Igreja: «Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho.» «Vinde, adoremos.» 

 

2. Em toda a humanidade que aguardava, em ânsia, que às vezes atingia o paroxismo, a vinda do Salvador: «Chovei, ó Céus, o Salvador. Que as nuvens derramem o Justo sobre nós.»

A expressão «Filho do Homem» com que é designado o Salvador esperado, exprime, ao vivo, todo o drama duma humanidade em desgraça, mas que, apesar de tudo, não perdeu a esperança em Alguém que, assumindo-a nas suas próprias entranhas, lhe dê novo projeto de vida.

Todo o Antigo Testamento é a história desse "homem em desgraça", mas também em esperança. O profeta Isaías que a Liturgia hoje tomou como retrato desse período e dessa situação, é bem claro nas suas palavras: «Ouve o grito das tuas sentinelas que levantam a voz. Todas juntas soltam brados de alegria, porque veem, com os próprios olhos, o Senhor voltar para Sião.»

A história do homem "em desgraça" e, oxalá, que em esperança, continua a ser a história do homem, que, voltando as costas a Deus, se perde irremediavelmente de si mesmo e começa a percorrer todos os caminhos da iniquidade e da injustiça. E aqui nasce, situa-se e desenvolve-se todo o mal-estar que aflige a sociedade. Sem Deus, não há homem. Sem Deus, não há fraternidade. Sem Deus, não há autêntica e desinteressada solidariedade. O homem nem sequer pode pensar-se sem Deus. Deus completa o homem. Sem Deus, o homem é um projeto incompleto, inacabado… desgraçado: a tortura das Capelas Imperfeitas ou das colunas partidas…

E na ânsia de se completar, fora de um Deus que não aceita, procurará o homem, necessariamente, mitos que o alienam e degradam e portar-se-á para com o outro homem como inimigo que terá de vencer, se quiser sobreviver.

 

3. «Rompei todos em brados de alegria.» O Senhor já veio e está no meio de nós. Eis que se estabelece finalmente, entre os homens, um reinado de justiça e de paz. O homem não mais condenará à morte o outro homem seu irmão; o homem não mais ultrajará a verdade que é também direito do seu irmão; o homem não mais fará chorar, nem perseguirá, nem instrumentalizará, nem oprimirá o outro homem seu irmão. O homem, em Jesus Salvador, o «Filho do Homem» verá no outro homem um seu irmão verdadeiro, e, em caminhos novos – porque os velhos foram arrasados e já não há montes, nem rios, nem vales que dividam –, construirá uma «Nova Terra», na justiça e na paz.

 

4. E entraremos no núcleo da mensagem cristã. Evangelizar, como diz Paulo VI, na Exortação Evangelii nuntiandi, é levar a Boa-Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio ou latitude, pelo seu influxo, transformá-las, a partir de dentro, e tornar nova a própria humanidade. A evangelização há de conter sempre – ao mesmo tempo como base, centro e ápice do seu dinamismo – uma proclamação clara que, em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado, a Salvação é oferecida a todos os homens, como dom da graça e da misericórdia do mesmo Deus…

A Evangelização liberta o homem, na medida em que aponta para a sua transcendência.

Há, portanto, que evitar um perigo muito corrente e ao qual, até os melhores não têm sabido fugir – o de reduzir a Evangelização a dimensões de um projeto simplesmente temporal. Se assim fosse, a Igreja perderia o seu significado próprio. A sua mensagem de libertação já não teria originalidade alguma e seria facilmente monopolizada e manipulada por sistemas ideológicos e por partidos políticos e com eles, afinal, se confundiria. E, então, para quê a Igreja? Para quê o Natal?

A Igreja considera da maior importância e urgência a construção de estruturas mais humanas, mais justas, mais respeitadoras dos direitos das pessoas, mas continua a estar consciente de que ainda as melhores estruturas ou os melhores dos sistemas depressa se tornam desumanos, se não houver uma conversão de coração, na fé e no amor a Jesus Cristo. Quer dizer – e repetindo – a libertação é incompleta e  enganadora se não for anunciada pela salvação em Jesus Cristo.

 

5. Cristo veio anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus: «Eu devo anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus. Para isso é que fui enviado.» Cristo é o «Evangelho de Deus», como lembra a Exortação pontifícia.

Todos nós, os que acolhemos este Reino pela fé, tornamo-nos uma Comunidade de Evangelizadores. Também a nós é dito: «Ide e evangelizai. » Por isso, S. Pedro nos chama «povo trazido à salvação para tornarem conhecidas as maravilhas de Deus». A evangelização é a nossa identidade cristã: «Ai de mim, se não evangelizar!»

As duas formas, importantes e insubstituíveis da Evangelização, são, no dizer do Santo Padre, o testemunho de vida e o anúncio da Palavra.

Quanto ao testemunho de vida, assim fala o Papa:

«Suponhamos um cristão ou punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam a sua capacidade de compreensão e de acolhimento, a comunhão de vida e de destino com os demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, num modo absolutamente simples e espontâneo, a sua fé em valores que estão para além dos valores correntes, e a sua esperança em qualquer coisa que se não vê… Pois bem: um semelhante testemunho constitui já proclamação silenciosa, mas muito valorosa e eficaz da Boa-Nova… Todos os cristãos estão chamados a dar este testemunho e a poderem ser, sob este aspeto, verdadeiros evangelizadores.»

E logo a seguir, em relação ao anúncio da Palavra: «A Boa-Nova proclamada pelo testemunho de vida deverá, mais tarde ou mais cedo, ser proclamada pela palavra da vida. Não haverá evangelização verdadeira, se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o Reino, o Mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados.

 

6. Há dias chegou às minhas mãos, vinda da vastidão da Quinta do Conde e escrita por mulheres do povo, uma carta com este grito: «Senhor Bispo, estamos aqui abandonados, mande-nos alguém que nos fale de Deus.»

Qual é o padre, qual o religioso ou religiosa, qual o cristão, que pode dormir descansado, ou descansado continuar a participar em lindas Eucaristias e em encantadoras festas de Natal, enquanto não fizer alguma coisa para matar a fome desta pobre gente?

A nossa Diocese está, na sua maior parte, por evangelizar, e tal tarefa é de toda a Igreja: é minha, é tua é de cada um de nós e de nós todos.

Quem vai ouvir este apelo? – Há tempos, as religiosas da Diocese pensavam que às suas múltiplas tarefas podiam juntar mais a de passarem os fins de semana junto dessa gente abandonada. O plano está ainda sem efetivação. Os cristãos continuam muito ocupados com muitas coisas… deixando morrer os seus irmãos à fome e à sede.

Espero que a nossa Igreja seja capaz de responder eficazmente a estes desafios. A Assembleia Diocesana há de ser o incómodo e impertinente, mas também providencial despertador que a vai acordar e ajudar a estabelecer os modos de estar presente a todo esse mundo tão distante de Deus.

Natal! Jesus Salvador veio e veio para todos. A nós como aos pastores, compete percorrer todos os caminhos anunciando a toda a gente a feliz Boa-Nova.

Com estes sentimentos e nestes santos propósitos, apresento a todos vós os meus cumprimentos de muita amizade e, em vós, desejo a todos os cristãos e homens de boa vontade desta nossa cidade e Diocese de Setúbal, um feliz Natal.

 

Edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 30.10.2015 | Atualizado em 28.04.2023

 

Título: Cantar a vida! - Homilias de um bispo de todos e para todos
Autor: D. Manuel Martins
Editora: Paulinas
Páginas: 288
Preço: 14,90 €
ISBN: 978-989-673-486-2

 

 
Imagem Capa | D.R.
As homilias revelam «um bispo, semeador incansável da Palavra de Deus, em todas as situações e lugares, e de o fazer em ligação forte com a vida, denunciando e abrindo caminhos de esperança, mesmo contra a corrente e sem medo. Um bispo que com a sua vida dá autoridade àquilo que diz e que, assim ele mesmo se torna palavra viva»
Sem Deus, não há homem. Sem Deus, não há fraternidade. Sem Deus, não há autêntica e desinteressada solidariedade. O homem nem sequer pode pensar-se sem Deus. Deus completa o homem. Sem Deus, o homem é um projeto incompleto, inacabado
Há, portanto, que evitar um perigo muito corrente e ao qual, até os melhores não têm sabido fugir – o de reduzir a Evangelização a dimensões de um projeto simplesmente temporal. Se assim fosse, a Igreja perderia o seu significado próprio
A Igreja considera da maior importância e urgência a construção de estruturas mais humanas, mais justas, mais respeitadoras dos direitos das pessoas, mas continua a estar consciente de que ainda as melhores estruturas ou os melhores dos sistemas depressa se tornam desumanos, se não houver uma conversão de coração, na fé e no amor a Jesus Cristo
Há dias chegou às minhas mãos, vinda da vastidão da Quinta do Conde e escrita por mulheres do povo, uma carta com este grito: «Senhor Bispo, estamos aqui abandonados, mande-nos alguém que nos fale de Deus»
Qual é o padre, qual o religioso ou religiosa, qual o cristão, que pode dormir descansado, ou descansado continuar a participar em lindas Eucaristias e em encantadoras festas de Natal, enquanto não fizer alguma coisa para matar a fome desta pobre gente?
Jesus Salvador veio e veio para todos. A nós como aos pastores, compete percorrer todos os caminhos anunciando a toda a gente a feliz Boa-Nova
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