Repensar a iconografia cristã em chave contemporânea é uma tarefa espinhosa. É difícil propor um novo imaginário no ventre de uma tradição figurativa particularmente rica e consolidada, e Dario Denso Andriolo (n. 1984) demonstrou possuir sensibilidade e qualidade artísticas raras.
O seu “Ad Calvariam” (2018), vídeoescultura inspirada na iconografia do “Christus patiens”, é unha com carne com “Spasimo di Sicilia (Ida para o Calvário)”, obra-prima de Rafael Sanzio (1517), hoje guardada no museu do Prado em Madrid, e originariamente destinada à igreja de Santa Maria dello Spasimo de Palermo.
O tema da cruz, radicado na cultura europeia desde há séculos, assume a linguagem da contemporaneidade sob uma declinação estética nova e complexa. Torna-se instalação, performance, experiência.
A dolorosa subida ao Calvário, descrita com grande intensidade por Rafael, converte-se e condensa-se numa figuração extremamente sintética, uma experiência multimédia repleta de “pathos” e de intenso magnetismo.
Um entrançamento desestruturado de volumes torna-se o ecrã para uma visão dramática da Paixão, uma narrativa que se eterniza, colocando a nu um conflito humano de valor universal.
A pronunciada curvatura da cruz sugere no seu impecável entrelaçamento de linhas a torsão do corpo sofredor de Cristo, atingido pelos espasmos da morte, assim como é observado nas cruzes medievais.
À escultura, exposta permanentemente na cripta da igreja de San Matteo al Cassaro, em Palermo, sobrepõem-se uma projeção em “vídeo mapping” e um tapete sonoro de ritmo sincopado, tornando a obra uma perfeita fusão entre a componente analógica e tecnologia digital.
O imaginário do artista italiano é fortemente atual e multiforme. A uma sobreabundância de estímulos quase barroca, contrapõe uma pureza absoluta das formas, reatualizando de maneira inédita sentimentos imperecíveis, como a dor e o sofrimento humanos.