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A vida entrevê-se nas feridas

Ao início da sua história, quando se perguntava aos cristãos o que havia de novo no seu viver, se se tratava de uma nova religião ou de uma nova filosofia, eles respondiam: é o caminho. Esta é a maneira de seguir aquele que disse: «Eu sou o Caminho». Ao renovar esta consciência, chegamos à semana central do ano litúrgico, fonte da qual brotam todos os dias santos, como nos recorda o anúncio que escutamos no dia da Epifania. No interior do espaço do ano litúrgico – exercício contínuo de contemplação do mistério de amor de Cristo –, nesta semana o tempo dilata-se até nos fazer receber de forma memorial, ritual e real o êxodo pascal de Jesus.

A denominação ambrosiana “Semana Autêntica” ajuda-os a colher o aspeto histórico, autenticamente narrativo de quanto celebramos, ao mesmo tempo que nos encoraja a reconhecer que a Páscoa é precisamente o acontecimento que gera “conversão”, isto é, mudança de olhar, de direção, de sentido de viver. A definição de Semana Santa, típica da liturgia romana, refere-se à centralidades destes dias em que a liturgia nos oferece a oportunidade de imergirmos nos acontecimentos que revelam a vontade de Deus de não nos perder, “atravessando” com maravilhamento o mistério da Páscoa de Jesus.

Neste tempo histórico da vida da Igreja, a urgência que a entrada na grande Semana nos confia é o de nos deixarmos conduzir – individualmente e como povo reunido – talvez não tanto +ara onde “não queremos”, mas sem dúvida para onde “não prevemos” e não imaginamos, para que o Evangelho possa verdadeiramente ressoar com força e verdade. Os passos rumo à Páscoa não são um acontecimento devocional, encerrado nas fronteiras do rito e da comemoração, mas uma experiência que transforma e vivifica a consciência e o agir de cada crente, dentro da comunidade reunida.



Também hoje, uma parte importante da existência cristã é a aventura da busca de Cristo vivo, que se apresenta a nós em muitas formas surpreendentes, por vezes anónimas



«A nova evangelização e a transformação sinodal da Igreja e do mundo constituem um processo em que devemos aprender a adorar Deus de um modo novo e mais profundo – em Espírito e verdade. Não devemos temer que algumas formas da Igreja estejam a morrer: “Se o grão não cai à terra e não morre, permanece só; se, porém, morre, produz muito fruto” (João 12, 24). (…) Em cada período da história da Igreja devemos exercitar a arte do discernimento espiritual, distinguindo na árvore da Igreja os ramos que estão vivos e aqueles que estão secos e mortos. O triunfalismo, a adoração de um Deus morto, deve ser substituído por uma humilde eclesiologia quenótica. A vida da Igreja consiste em participar no paradoxo da Páscoa: o momento do dom de si e da autotranscendência, a transformação da morte em ressurreição e vida nova».

A experiência pascal da Igreja nascente reveste a surpresa de que a ressurreição não é uma ressuscitação do passado, mas uma transformação radical. Tenhamos em conta que também os olhos de quantos foram mais próximos e mais queridos não reconheceram Cristo ressuscitado. Maria Madalena reconhece-o pela voz, Tomé pelas suas feridas, os peregrinos de Emaús ao partir do pão.

Também hoje, uma parte importante da existência cristã é a aventura da busca de Cristo vivo, que se apresenta a nós em muitas formas surpreendentes, por vezes anónimas. Chega através da porta fechada pelo medo; sentimos a sua falta quando nos encerramos no medo. Vem a nós como voz que fala ao nosso coração; não nos daremos conta se nos deixarmos ensurdecer pelo ruído das ideologias e da publicidade comercial, Mostra-se a nós nas feridas do nosso mundo; se ignoramos estas feridas, não temos o direito de dizer com o apóstolo Tomé: Meu Senhor e meu Deus! Ele mostra-se a nós como o desconhecido na estrada de Emaús; não conseguiremos encontra-lo se não estivermos dispostos a partir o pão com os outros, inclusive com os desconhecidos? (P. Tomáš Halík, Introdução à Assembleia continental do Sìnodo, Praga, 6.2.2023)

Para cada um de nós, que esta Semana seja um caminho paciente através das feridas, para chegar com humilde maravilhamento à Luz que ultrapassa toda a expetativa.


 

Enrico Parazzoli
In Vino Nuovo
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Mauricio Acosta Rojas/Bigstock.com
Publicado em 07.10.2023

 

 
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