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A viagem do papa e a fraterna diversidade

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A viagem do papa e a fraterna diversidade

Era inevitável que a viagem e as palavras do papa Francisco no Sri Lanka fossem lidas também à luz do que aconteceu nos últimos dias em Paris. Os meios de comunicação e a opinião pública, habituadas a dar às tragédias um peso específico diferenciado, segundo a distância ao local onde ocorreram, afadigaram-se a colher a dimensão local e universal intrínsecas ao ministério do bispo de Roma.

Quando o papa afirma que «não se deve permitir que as crenças religiosas sejam abusadas por causa da violência ou da guerra», fá-lo dirigindo-se aos representantes religiosos de uma nação particular, pensando uma Igreja local específica de exígua minoria que viveu, como todos os habitantes, anos de sangrenta guerra civil. E, todavia, a sua mensagem conserva um alcance bem mais amplo.

A tragédia de Paris não é esquecida, assim como não são esquecidos os horrores da Nigéria, mas o olhar, o coração e o pensamento deste pastor universal vão em primeiro lugar para as vítimas que entrevê nos olhos dos seus interlocutores no Sri Lanka, para as milhares de pessoas mortas, torturadas, encarceradas durante estes anos. E são palavras que querem ser não só bálsamo para as feridas, mas também estímulo para a ação, apelo à dignidade presente em cada ser humano, convite à reconciliação, à colaboração, à solidariedade.

Assim, religando-se ao documento conciliar “Nostra aetate”, o papa Francisco recorda que «para viver em harmonia com os seus irmãos e irmãs, os homens e as mulheres não devem esquecer a própria identidade, seja étnica ou religiosa», porque, mesmo que o «diálogo faça realçar quanto são diferentes as nossas crenças, tradições e práticas», isto não fará senão aumentar a consciência de «quanto temos em comum».

As tradições religiosas, apesar da sua diversidade, são sempre «desejo e procura de sabedoria, de verdade e de santidade», e por isso são estradas a partilhar e caminhos de colaboração que devem ser abertos ou confirmados para o bem comum de um povo e da humanidade.

Este é um apelo ao respeito recíproco, tal como foi entendido pelo concílio: não um conjunto de boas maneiras, não um indiferentismo ético, mas uma consciência de que no outro está impressa, de modo indelével, a imagem de Deus, e isto só pode abrir à «estima mútua, à cooperação e também à amizade». Com efeito, como recordou o papa na chegada ao aeroporto de Colombo, «a diversidade não é uma ameaça», mas ocasião de diálogo autêntico, de debate na verdade para perseguir em conjunto uma paz reencontrada.

Olhar com misericórdia e compaixão o aqui e agora, rostos e pessoas concretas e vizinhas, sem esquecer o horizonte mais vasto da convivência global: esta não é uma estratégia diplomática, não é a elaboração de uma hegemonia mundial, mas é solicitude do pastor que conhece as suas ovelhas, que sabe onde vivem e de que se alimentam, que sabe qual é o seu «próximo» a que são chamadas a amar, mesmo quando se trata de um rosto inimigo.

Ao mesmo tempo, é o olhar de longo alcance de quem sabe que local e universal interagem profundamente, e que toda a família humana é ferida quando uma só pessoa é morta, assim como toda a humanidade é salva quando uma só vida é resgatada da violência e do ódio mortífero. Não há pessoa que não tenha voz, e por isso todos devem ser escutados, livres de exprimir o que as faz sofrer no duro ofício do viver, todos devem estar prontos a aceitar-se reciprocamente, a reconhecer a dignidade de cada um e a reconciliar-se, vencendo o mal com o bem.

Em Colombo, como em Paris, como na Nigéria ou na Síria, cada pessoa deve ter não só o direito mas a alegria de poder viver, aprofundar, testemunhar a própria fé religiosa, encontrando e dando acolhimento, respeito fraterno, cura e solicitude para os próprios sofrimentos. Isto não é obscurecimento do anúncio cristão, mas evangelho de paz, boa nova anunciada a todos, a começar pelos pobres e aflitos.

 

Enzo Bianchi
Prior do Mosteiro de Bose, Itália
In "Avvenire"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 15.01.2015 | Atualizado em 30.04.2023

 

 
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Olhar com misericórdia e compaixão o aqui e agora, rostos e pessoas concretas e vizinhas, sem esquecer o horizonte mais vasto da convivência global: esta não é uma estratégia diplomática, não é a elaboração de uma hegemonia mundial, mas é solicitude do pastor que conhece as suas ovelhas
Ao mesmo tempo, é o olhar de longo alcance de quem sabe que local e universal interagem profundamente, e que toda a família humana é ferida quando uma só pessoa é morta, assim como toda a humanidade é salva quando uma só vida é resgatada da violência e do ódio mortífero
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