Tenho na pele as marcas de cada crise minha, e seu bem quanto é longa e quanto, como um medo encantado, me envolve.
É árduo compreender que naquele medo por vezes se realiza o encanto, e que é na profundidade da noite que se acende a luz.
Se queremos ver para além da noite, não podemos experimentar medi-la, podemos apenas penetrá-la com a esperança e permanecer disponíveis à ideia de que nenhuma noite é só noite, mas que é também outra coisa. Quando se está em crise, tudo parece contradizer esta visão, e nas tuas mãos vazias apenas fica a coragem extrema de levar a tua mente, o teu corpo, a tua alma a esperar contra toda a esperança.
Sempre considerei cada crise não um desmoronamento, mas uma ocasião. Mas só o é se permanecermos fiéis e abertos, se permanecermos, apesar da dureza da prova, terra que sonha, sabendo que mais cedo ou mais tarde surgirá em nós a luz de uma resposta à nossa penumbra.
Chegarão as palavras e os sinais que se tornarão aurora e chuva para a nossa terra, e iluminarão e dessedentarão a nossa penumbra.
Só uma terra bem trabalhada pode tornar-se terra propícia, dizem-nos os agricultores. Por isso, paradoxalmente, um tempo de dificuldade e perturbação pode revelar-se como o tempo mais próprio para um novo nascimento: cada parto é antecedido das dores, cada nova iluminação ou crescimento paga o seu momento ao inferno, cada passagem de iniciação marcada pelo ritmo de noites escuras.
E gosto de pensar que cada crise tem o efeitos das pedras do Pequeno Polegar, que, na densidade do bosque, conseguem sempre indicar o caminho.
Cada crise permite-nos elevar-nos sobre a superfície do mundo, para avistar os cumes inviolados que a neblina oculta àqueles que vivem na planície.
«Deste aos meus pés um caminho espaçoso» (Salmo 31,9).
Chega um dia em que, dentro da tua penumbra ou no teu labirinto, abre-se uma passagem inesperada que te indica o sentido dentro do não sentido.
No profundo da noite, na escuridão das crises, há sempre uma luz para a qual rumamos, ou que vem ao nosso encontro.