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A Trindade tem um coração: chama-se amor, e configura pessoa, Igreja e sociedade

Imagem Adoração da Trindade (det.) | Vicente López y Portaña | 1791-92

A Trindade tem um coração: chama-se amor, e configura pessoa, Igreja e sociedade

Deus não é definível. Sob nenhuma forma e em nenhuma circunstância. Ele é e será sempre outro relativamente a qualquer formulação nossa a seu respeito. Esta constatação não é um salvo-conduto nem para a preguiça intelectual nem para a desistência teológica. É, antes, uma vénia à verdade da teologia e um convite à humildade do teólogo. A este compete sempre procurar uma palavra justa sobre Deus, porque a palavra (logos), essa sim, mesmo nos seus limites, é capaz de Deus (capax Dei). Palavra aberta e, por isso, ajustada à grandeza divina. Certamente em nenhum outro lugar esteve a humanidade tão próxima dessa palavra digna e capaz de Deus como quando, no Novo Testamento, a primeira carta de São João afirma: «Deus é amor» (cf 1 Jo 4,8). Não é uma definição de Deus. Mas é certamente a forma mais justa e ajustada de descrever o que Ele seja.

O amor é, sem sombra de dúvidas, o grande motivo que torna possível falar da Trindade. A própria formulação trinitária da «teo-logia» cristã pode ser vista como um desdobramento dessa afirmação neotestamentária. Por um lado, Deus não tem apenas gestos de amor. Ele é amor. É-o em si próprio. Por outro, trata-se de um amor digno desse nome. Não um amor que, solipsisticamente, se compraz consigo. Antes um amor que gera um outro. Antes um amor que recebe do outro todo o seu ser. É um amor assim, substancial e pessoal, que interpreta e dá forma à «teologia» dos cristãos.

O amor é um elemento possível da nossa experiência do outro. Quando se verifica, será mesmo um elemento determinante dessa experiência. Não o afirmo apenas por referência à «teo-logia». Digo-o, antes de mais, da experiência do outro que todos conhecemos e fazemos. Amar é tantas vezes a via existencial para chegar àquelas conclusões a que o pensamento acede por outros caminhos. Na experiência do amor torna-se por demais evidente como o outro me devolve a verdade do que sou eu. Como se o eu estivesse mais nesse outro que em si próprio. Como se o eu só no outro verdadeiramente se esclarecesse e consumasse. A via afetiva será, talvez, a via ordinária para o percebermos, a via pela qual nós primeiro, e em maior número, aprendemos o quanto somos «inter-dependentes» uns dos outros. Aquilo que a filosofia, com as suas ferramentas, nos ensina sobre o outro, ensina-nos igualmente a experiência do amor de forma mais democrática e estimulante.

Foi precisamente aí, na experiência do amor, que Santo Agostinho (354-430), na sua infatigável procura da verdade, encontrou a superior analogia para penetrar no mistério da Trindade. A sua questão não está muito longe da nossa: «A partir de que analogia ou de que comparação com as coisas conhecidas acreditamos nós, para amarmos o Deus que ainda não conhecemos?». Trata-se de encontrar uma analogia da vida capaz de nos conectar com a Trindade. Mas trata-se também de uma questão de experiência vivida. É nesta demanda que o amor surge como essa grande analogia que, de entre «as muitas trindades conhecidas por experiência», nos permite ver como na nossa experiência tocamos algo da lógica trinitária de Deus:

«o amor é pertença de alguém que ama, e com o amor ama-se alguma coisa. São, como se vê, três coisas: aquele que ama, aquilo que é amado e o amor. Que é então o amor senão uma vida que une ou procura unir duas coisas, aquele que ama e aquilo que é amado? [...] São três as coisas, aquele que ama e aquilo que é amado e o amor.»

Inscrita na dinâmica do amor humano, há, pois, esta trindade: o amante, o amado e o amor. Isto é algo que, quando dissecamos a experiência do amor, havemos de encontrar sempre lá. Não há amor se não houver um eu que ame. Não amor se não houver um outro que é amado. Não há amor sem amor, isto é, sem esse laço que une de maneira sublime o mesmo e o outro, o eu e o tu. Isto assim em nós e entre nós. Mas também isto assim no Deus amor: uma trindade de amante, amado e amor.

Um primeiro impulso levaria a identificar cada elemento desta trindade do amor com cada uma das Pessoas da Trindade divina: o Pai, o amante; o Filho, o amado; o Espírito, o amor. Não julgo ser possível recusar esta aplicação da analogia trinitária do amor. Mas julgo também que seria redutor ver nesta distribuição a única possibilidade trinitária da experiência do amor. Agostinho, pelo menos, não o faz. Mais do que aplicá-la à Trindade, ele deixa-a no ar como sugestão trinitária, insinuando-a como uma analogia aberta. Esta sua circunspeção permite que a analogia continue a falar, podendo dizer outras coisas acerca do amor e da Trindade, porque não a fecha num só sentido. Pelo contrário, ela deixa que o dinamismo da vida trinitária possa dizer outras coisas de si mediante esta mesma analogia do amor.

Ao cético do seu tempo, mas também do nosso, a esse que luta com a imagem trinitária de Deus, Agostinho interpela de modo direto e franco: «Tu dirás: "Eu vejo o amor, [...] mas, ao vê-lo, não vejo a Trindade." Bem pelo contrário, se vês o amor vês a Trindade. Levar-te-ei, se puder, a ver que vês». Eis uma resposta às perplexidades com a Trindade que, mais do que do século v, nos chega diretamenre da nossa experiência. É que também nós, quando vemos o amor, vemos qualquer coisa de trinitário, mesmo que disso não nos apercebamos. É que também nós, quando experimentamos o amor ao outro, experimentamos qualquer coisa de trinitário, mesmo que disso nem sempre tenhamos consciência. O amor inscrito na nossa experiência do outro mostra-se, pois, uma gramática ajustada para a interpretação da fé trinitária. Nele podemos ver que já vemos qualquer coisa da Trindade. (...)

A experiência do amor tem sempre qualquer coisa de uno e trino, no sentido de que tem sempre qualquer coisa de unidade e alteridade. O amor une o eu e o tu. Mas o amor conserva o tu sempre como um outro. Não o dilui nem o assimila no eu. Não saberemos descrever o amor sem conservarmos estas duas verdades. Tal como não saberemos descrever o Deus Trindade sem conservarmos que as pessoas nele se unem para ser um só Deus, sem contudo diluírem ou assimilarem a sua alteridade pessoal e divina. Eis como se poderá ver, de forma vital, na experiência do outro e, sobretudo, na experiência de amor ao outro muito daquilo que o Cristianismo confessa em Deus Trindade.

 

Da Trindade à experiência: configuração trinitária da Igreja e da sociedade

Abundam na história do Cristianismo referências à Igreja como «ícone da Trindade». Encontramos ecos desta imagem em autores tão antigos como Tertuliano (c.155-220) ou São Cipriano de Cartago (c.215-258). Bem mais perto de nós, o tema foi explorado por vários teólogos (H. de Lubac; Y. Congar; B. Forte, para referir apenas alguns), e encontramo-lo no magistério qualificado do Concílio Vaticano II (cf. Lumen gentium, nn. 2-4). Tal forma de compreender trinitariamente a Igreja permite interpretar, de forma simultânea, o passado da comunidade eclesial: o seu fundamento e razão de ser; o seu presente: a sua estrutura e as suas práticas; e o seu futuro: o que ela é chamada a ser, mesmo que historicamente fique sempre aquém. Aqui individuo um primeiro domínio da experiência cristã em que a lógica trinitária pode exercer um influxo salutar. Este domínio eclesial tem que ver com a dita experiência do outro na medida em que crer em Igreja supõe sempre crer com outros. Os outros que me precederam na fé em Cristo e dos quais sou filho e herdeiro. Os outros que me acompanham nessa fé e dos quais sou irmão e próximo. Os outros que me sucederão no caminho eclesial e para os quais sou um elo da cadeia que transporta vivo, como numa estafeta, o testemunho do Evangelho e da memória de Jesus.

Desafiando qualquer entendimento eclesial de tipo meramente jurídico-institucional ou sociocultural, pensar a identidade da Igreja a partir da Trindade obriga-nos a reconhecê-la, antes de tudo o mais, como realidade «teo-lógica». Por vezes, a Igreja parece ser vista, sobretudo por observadores externos, como agremiação de gente que comunga dos mesmos sentimentos e pensamentos religiosos. Outras vezes, agora por membros da própria Igreja, ela parece ser entendida como a institucionalização de um qualquer poder sacro concedido por Deus aos homens. Em extremos só aparentemente opostos, estas duas perspetivas falham o essencial do fundamento e razão de ser da Igreja. Trinitariamente pensada, ela é «povo de Deus Pai, que Ele cria pelo Filho no Espírito Santo». Ela é constante iniciativa divina, onde se alarga no tempo e no espaço esse modo de ser filho de Deus Pai humanamente encarnado em Jesus e animado no Espírito Santo. E, por tudo isto enfim, nela «se encontram plasmados traços diferentes, mas complementares, graças aos quais ela se torna verdadeira communio [comunhão/comunidade]: unidade em verdadeira pluralidade». Neste sentido, a comunidade trinitária é arquétipo da Igreja, aquilo para o qual ela sempre deve tender. Mesmo se sabemos que, como numa assíntota, ela nunca alcançará este seu limite trinitário.

Para ser fiel a si própria, então, a comunidade ecle­sial tem de exprimir em cada tempo a verdade dessa lógica trinitária que a sustenta na origem. Acima de tudo ela deverá atuar concretamente aquele tipo de «personalidade corporativa» que encontramos nas pessoas da Trindade. Ou seja, atuar aquela forma de estar em que no agir de cada um dos seus membros se revê e age toda a comunidade; e em que no agir de toda a comunidade se revê e age cada um dos seus membros. Na Trindade, onde está e age o Pai, aí estão e agem também (sem sobreposição) o Filho e o Espírito. Onde está e age o Filho, aí estão e agem também (sem sobreposição) o Pai e o Espírito. Onde está e age o Espírito, aí está e agem também (sem sobreposição) o Pai e o Filho. A vida trinitária é, pois, este efetivo equilíbrio entre o pessoal e o comunitário, que há de encontrar um justo reflexo no viver eclesial.

A experiência eclesial tem, portanto, de refletir e exprimir esta mesma unidade na complementaridade. Tem de traduzir este discurso, ainda um pouco aéreo, nas suas estruturas e práticas. Assim, por exemplo, a relação entre instituição e carisma na Igreja, se experimentada em chave trinitária, não surgirá como insanável conflito, mas como serviço recíproco. Tal como é pelo Espírito que o Verbo de Deus toma forma humana visível, assim também na Igreja são os carismas (esses dons do Espírito) que dão vida ao corpo eclesial (corpo que São Paulo diz ser do próprio Cristo - cf. 1 Cor 12,12-31). E, inversamente, tal como o Filho dá forma humana ao Espírito divino, assim também o lado institucional dá consistência histórica aos carismas na Igreja. O mesmo tipo de complementaridade trinitária pode, ainda, iluminar a tensão entre a Igreja enquanto realidade universal e realidade local: «Sem a dimensão católica [universal], o particular atrofia-se no seu próprio isolamento anémico [...]; sem o elemento particular, a vida católica esvazia-se: a rede de relações torna-se mera estrutura de autoridade e de poder». Requer-se aqui uma complementaridade de tipo trinitário. Esta poderá também iluminar a relação eclesial entre leigos e ministros ordenados: mundo e Igreja não são domínios exclusivos de uns e de outros, pois o ministério ordenado «não se limita ao âmbito interior da Igreja, mas está orientado, em última instância, para o mundo», e o leigo, «enquanto membro da Igreja, é responsável por ela e deve contribuir com o seu carisma específico para a edificação da vida da Igreja». Uma vez mais, também aqui a relação para qual haveremos de tender precisa de ser sempre e cada vez mais trinitária, relação onde a diferença se torna fator de um tipo superior de comunhão eclesial.

Não posso aqui apresentar todas as possíveis derivações eclesiais desta lógica trinitária. Limito-me a indicar apenas mais uma. Na Trindade, ser é sempre ser-para-o-outro. Ser é relação descentrada de si. Longe disto provocar uma crise de identidade em cada uma das pessoas divinas, é isso que as faz ser quem são e o que são. Pois na Igreja parece, por vezes, hesitar-se entre concentrar-se na sua vida interna ou abrir-se ao mundo exterior; entre cultivar a própria identidade ou dialogar com a diferença. Trinitariamente pensado, este impasse parece ter menos sentido. Interioridade e exterioridade, comunhão e missão, identidade e alteridade não variam em proporção inversa. Pelo contrário, a correlação é de mútua promoção. Assim, não há comunhão eclesial no isolamento face ao mundo. Mas também não há autêntica abertura eclesial no desprezo da sua vitalidade interna. J. Moltmann falava, a este respeito, do «dilema identidade-envolvimento». Para ele, nisto se jogava muito da crise de relevância com que o Cristianismo e a Igreja estarão hoje confrontados no Ocidente. A saída não está na dialética oposição que nos faz ter de escolher entre identidade ou envolvimento. Está, antes, nessa forma de estar, que creio trinitariamente inspirada, capaz de ver a «identidade como envolvimento».

Eis como a luz da Trindade pode iluminar a experiência eclesial. Trata-se de ler o texto eclesial com a gramática da vida trinitária. O que aqui se indica é tão-somente a superfície de um terreno que tem ainda muito para explorar: pensar e construir a Igreja como efetivo «ícone da Trindade». Mas tocar esta sua superfície bastará para que, pelo menos, se confirme aquilo que vimos tentando ilustrar: a reflexão trinitária tem mais a dizer à nossa experiência do que, porventura, à partida poderíamos supor. Neste caso concreto, a essa singular experiência de crer com outros que é a Igreja.

Por estranho que possa parecer, também a nossa experiência social pode ser repensada em chave trinitária. Penso, sobretudo, no que concerne à legitimação do poder nas nossas comunidades políticas. Ninguém estranhará que, ao longo dos séculos, teologia e política se tenham condicionado mutuamente. Umas vezes, sendo a estrutura política influenciada por considerandos de ordem teológica. Outras, sendo a teologia instrumentalizada em função de ambições políticas. (...)

Claro está que a «teologia» trinitária não é nem pode ser um manual de ação política. Mas isto não significa que com ela, sobretudo com aquilo que venho chamando «lógica trinitária», não possamos (reinterpretar a nossa experiência sociopolítica. Alguns, por exemplo, chegaram a estabelecer um nexo entre essa lógica e a emancipação do Estado moderno. Viam neste uma autorrelativização do poder inspirada (mesmo se inconscientemente) pelo modo como cada pessoa trinitária recua para dar espaço às outras duas. Este nexo era reforçado pela «coincidência» do tríplice poder que estruturava a nova forma política: legislativo, executivo e judicial. Aquilo que um jurista suíço, Hans Martin, apelidou de «trindade secularizada».

Julgo ser ao nível dos fundamentos da nossa condição social - condição de «animais políticos» - que este eco trinitário mais se poderá fazer sentir. Vivemos ainda a ressaca da fricção entre duas grandes conceções do que é uma sociedade. Ela pode servir aqui de caso exemplar da tensão que experimentamos em sociedade. De um lado, a visão de tipo comunista, que tende a antepor o coletivo e o seu bem sobre o indivíduo. Do outro lado, o individualismo de tipo capitalista, que tende a antepor o indivíduo e a sua liberdade de iniciativa sobre o coletivo social. Estas duas perspetivas de base serão tão antigas quanto o próprio Homem. Elas, no fundo, refletem, em campo social, uma dificuldade intrinsecamente nossa e já, de alguma forma, aflorada: como coordenar o uno e o múltiplo? E o que nos sugere a lógica trinitária é que a verdade da nossa experiência social está na absoluta simultaneidade de comunidade e individualidade, tal como na Trindade não há hierarquia nem entre substância e pessoas, nem entre Pai, Filho e Espírito Santo. Só um entendimento social e, principalmente, só uma prática social que respeite esta coincidência, entre social e individual, será capaz de evitar tanto o atomismo como o holismo social (do grego holos: todo). O atomismo, como exaltação do indivíduo, conduz à desagregação do tecido social e à incompreensão da noção de bem comum. O holismo, como exaltação da comunidade, conduz a uma opressão sobre o indivíduo e à amputação do seu legítimo espaço de liberdade e de iniciativa.

Entre uma aporia e outra, a lógica trinitária parece apontar para um entendimento equilibrado do que somos como sociedade. Um outro caminho mais ajustado ao que somos e ao nosso «con-vívio» social: o caminho da tensão entre comunidade e individualidade, linha sempre difícil, porque atravessada pelo paradoxo. Assim, a reflexão trinitária parece poder mesmo tocar de forma relevante a nossa experiência social. Não prescrevendo as soluções, mas inspirando-as. De forma que a nossa experiência do outro seja tudo o que idealmente pode ser: a consumação do que somos como seres da alteridade.

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

Alexandre Palma
In "A Trindade é um mistério", ed. Paulinas
Publicado em 21.05.2016

 

 
Imagem Adoração da Trindade | Vicente López y Portaña | 1791-92
Trata-se de encontrar uma analogia da vida capaz de nos conectar com a Trindade. Mas trata-se também de uma questão de experiência vivida. É nesta demanda que o amor surge como essa grande analogia que, de entre «as muitas trindades conhecidas por experiência», nos permite ver como na nossa experiência tocamos algo da lógica trinitária de Deus
Um primeiro impulso levaria a identificar cada elemento desta trindade do amor com cada uma das Pessoas da Trindade divina: o Pai, o amante; o Filho, o amado; o Espírito, o amor. Não julgo ser possível recusar esta aplicação da analogia trinitária do amor. Mas julgo também que seria redutor ver nesta distribuição a única possibilidade trinitária da experiência do amor
O amor inscrito na nossa experiência do outro mostra-se, pois, uma gramática ajustada para a interpretação da fé trinitária. Nele podemos ver que já vemos qualquer coisa da Trindade
Este domínio eclesial tem que ver com a dita experiência do outro na medida em que crer em Igreja supõe sempre crer com outros. Os outros que me precederam na fé em Cristo e dos quais sou filho e herdeiro. Os outros que me acompanham nessa fé e dos quais sou irmão e próximo. Os outros que me sucederão no caminho eclesial e para os quais sou um elo da cadeia
Por vezes, a Igreja parece ser vista, sobretudo por observadores externos, como agremiação de gente que comunga dos mesmos sentimentos e pensamentos religiosos. Outras vezes, agora por membros da própria Igreja, ela parece ser entendida como a institucionalização de um qualquer poder sacro concedido por Deus aos homens. Em extremos só aparentemente opostos, estas duas perspetivas falham o essencial do fundamento e razão de ser da Igreja
O mesmo tipo de complementaridade trinitária pode, ainda, iluminar a tensão entre a Igreja enquanto realidade universal e realidade local: «Sem a dimensão católica [universal], o particular atrofia-se no seu próprio isolamento anémico [...]; sem o elemento particular, a vida católica esvazia-se: a rede de relações torna-se mera estrutura de autoridade e de poder»
Na Igreja parece, por vezes, hesitar-se entre concentrar-se na sua vida interna ou abrir-se ao mundo exterior; entre cultivar a própria identidade ou dialogar com a diferença. Trinitariamente pensado, este impasse parece ter menos sentido
A reflexão trinitária tem mais a dizer à nossa experiência do que, porventura, à partida poderíamos supor. Neste caso concreto, a essa singular experiência de crer com outros que é a Igreja
E o que nos sugere a lógica trinitária é que a verdade da nossa experiência social está na absoluta simultaneidade de comunidade e individualidade, tal como na Trindade não há hierarquia nem entre substância e pessoas, nem entre Pai, Filho e Espírito Santo. Só uma prática social que respeite esta coincidência, entre social e individual, será capaz de evitar tanto o atomismo como o holismo social (do grego holos: todo)
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